Conversa de Miguel Estima com João Grilo, durante o Guimarães Jazz de 2018
Esta edição do
Guimarães Jazz teve como convidado para o projecto Guimarães Jazz/Porta-Jazz o
pianista João Grilo, no Domingo 11 de Novembro foi desvendado o resultado da
colaboração artística entre músicos com um artista de outra área criativa,
desta vez um videasta. Durante uma semana, um grupo de músicos nacionais e
estrangeiros, liderado pelo compositor João Grilo, e o artista convidado Miguel
C. Tavares testam as suas fronteiras disciplinares e zonas de conforto,
explorando novas referências por forma a descobrirem novos caminhos
expressivos.
No final do
espectáculo A Certeza da Música esteve à conversa com o músico para nos contar
um pouco mais da residência.
- Como é estar em residência durante uma
semana no mesmo espaço com músicos e criadores?
Passar uma semana
em residência artística juntamente com outras pessoas é uma combinação de
imensas coisas. Acima de tudo, o simples facto de se ter um conjunto de dias
nos quais se pode estar completamente focado numa criação e na sua preparação é
imensamente frutífero tanto quanto intenso em termos artísticos e emocionais.
No caso
específico desta residência houve momentos distintos, uns mais de
experimentação, outros de questionamento e reflexão acerca das escolhas e
possibilidades artísticas e outros de preparação pormenorizada da execução do
espectáculo.
Estar com outras
pessoas num processo deste tipo torna-o mais plural e, a meu ver,
consequentemente mais rico.
Há uma sensação
qualquer de se viver noutra realidade, numa espécie de espaço onde o tempo
passa de forma distinta. Isto para mim é fundamental - haver tempo, sonhar com
uma experiência artística fascinante e reunirem-se as condições para ir, o mais
possível, ao encontro desse sonho.
A equipa que se
juntou é para mim fascinante e penso que esta sensação é consensual. Neste
sentido é um prazer passar tempo a trabalhar nesse contexto, a aprender uns com
os outros, questionarmo-nos constantemente e também, nos tempos livres, falar
da vida no geral e ouvir as visões sobre o mundo dos outros.
Ou seja, para
responder de forma imensamente simples: ter
estado em residência foi bastante bom por imensas boas razões.
- Na sinopse lê-se "O Cesariny uma vez escreveu "Ama como a
estrada começa", como foi o caminho criativo, vinhas com uma ideia
e deixaste os restantes elementos construir “a estrada”, ou foi uma criação do
zero com todos?
Havia já muita
coisa feita, nomeadamente grande parte da música escrita e ideias do vídeo definidas.
Ainda assim houve um trabalho conjunto feito com base neste material, que o
conduziu a territórios diferentes, que o fortaleceu e que lhe deu roupagens, às
vezes, muito diferentes.
A contribuição de
todos foi fundamental tanto em termos específicos como em termos gerais quando questionávamos
juntos as questões formais de uma das peças ou do espectáculo inteiro. A
relação do vídeo e da música também foi discutida durante a semana e penso ter
influenciado uma e outra área.
Grosso modo,
havia um núcleo previamente pensado por mim e pelo Miguel C Tavares que foi
então trabalhado em conjunto por todos durante a residência.
Quando escrevi a
primeira sinopse, onde refiro esse poema do Cesariny, estava em Porto Covo, de
férias, perto do mar depois de tomar o pequeno almoço, um daqueles que se tomam
nas férias. Nesse momento, ao pensar no espectáculo ainda a estrada era um
mistério. Agora, embora já parcialmente percorrida, a estrada é, de alguma
forma, ainda um mistério. E eu gosto disso. Acho que gostamos todos.
- Sentes que é um caminho tortuoso a
mistura com imagem? É um elemento que ajuda a compor todo o espaço cénico, é de
alguma forma repartida a experiencia?
A mistura com a
imagem é para mim por um lado muito evidente por outro desafiante, no sentido
em que desafia a minha imaginação musical e a leva a outros sítios. Se ela me
parece evidente numa certa perspectiva é porque sinto ter uma imaginação visual
em relação às minhas produções sonoras e muitas são as vezes em que as ideias
musicais vêm de ideias visuais também. Por outro lado, sendo o universo visual
proposto por outro artista, as minhas primeiras imaginações são desafiadas com
elementos diferentes e isso faz com que os caminhos que fui e que fomos
escolhendo tenham evoluído inesperadamente.
Parece-me claro
que o vídeo contribua para definir um espaço cénico diferente do que seria o
habitual num concerto tradicional, ainda por cima nesta caso em concreto sendo
ele um elemento tão presente no palco. Por cima dos músicos estendia-se uma
grande tela onde era projectado o vídeo. A iluminação do concerto foi quase
exclusivamente feita através do próprio vídeo além de uma pequena iluminação
que cada músico usava para poder ler as partituras.
A experiência
parece-me ser repartida no sentido em que as ideias musicais influenciaram as
ideias visuais e vice versa. Enquanto
espectáculo parece-me também interessante que cada área possa ter o papel de
contradizer, reforçar e comentar a outra.
- Foi uma proposta arriscada por parte da
Porta-jazz, mas já contas com alguns trabalhos de cruzamentos
interdisciplinares. Este foi de alguma forma diferente?
Este foi
diferente no sentido em que assumi um papel de liderança no projecto. Foi
também a primeira vez que trabalhei com música e vídeo. (Antes tinha
participado em projectos que cruzavam dança e música ou teatro e música). Para
além disso é um projecto distinto em termos de conteúdo. Talvez tenha sido
também o projecto interdisciplinar no qual senti que a música era igualmente
relevante no espectáculo não sendo somente um elemento que complementa uma
outra área. Penso que este espectáculo teve um bom equilíbrio neste sentido
tendo o vídeo ou a música assumido papeis de relevância diferentes em
diferentes partes do espectáculo.
- Existem mais ideias para continuar a dar
vida a este projecto?
Existem algumas
ideias para desenvolver o projecto. Gostaríamos
imenso de o repetir, levá-lo a outras salas e países. O facto de ser um
espectáculo que combina vídeo e música permite-o ser apresentado em contextos
diversos, por exemplo, em festivais de cinema ou de artes visuais e também,
claro, em espaços que programam concertos mais tradicionais. Além disto, temos
ideias para desenvolver o espectáculo e aperfeiçoá-lo, temos vontade de o fazer
evoluir.
E acima de tudo,
tendo sido o encontro das pessoas que participaram neste projecto um encontro
feliz, temos vontade de continuar a trabalhar juntos.
Quem sabe, no futuro, um novo espectáculo?
Quem sabe, no futuro, um novo espectáculo?
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