sábado, 1 de dezembro de 2018

João Grilo em residência no Guimarães Jazz 2018


Conversa de Miguel Estima com João Grilo, durante o Guimarães Jazz de 2018


Esta edição do Guimarães Jazz teve como convidado para o projecto Guimarães Jazz/Porta-Jazz o pianista João Grilo, no Domingo 11 de Novembro foi desvendado o resultado da colaboração artística entre músicos com um artista de outra área criativa, desta vez um videasta. Durante uma semana, um grupo de músicos nacionais e estrangeiros, liderado pelo compositor João Grilo, e o artista convidado Miguel C. Tavares testam as suas fronteiras disciplinares e zonas de conforto, explorando novas referências por forma a descobrirem novos caminhos expressivos.
No final do espectáculo A Certeza da Música esteve à conversa com o músico para nos contar um pouco mais da residência.




- Como é estar em residência durante uma semana no mesmo espaço com músicos e criadores?
Passar uma semana em residência artística juntamente com outras pessoas é uma combinação de imensas coisas. Acima de tudo, o simples facto de se ter um conjunto de dias nos quais se pode estar completamente focado numa criação e na sua preparação é imensamente frutífero tanto quanto intenso em termos artísticos e emocionais.
No caso específico desta residência houve momentos distintos, uns mais de experimentação, outros de questionamento e reflexão acerca das escolhas e possibilidades artísticas e outros de preparação pormenorizada da execução do espectáculo.
Estar com outras pessoas num processo deste tipo torna-o mais plural e, a meu ver, consequentemente mais rico.
Há uma sensação qualquer de se viver noutra realidade, numa espécie de espaço onde o tempo passa de forma distinta. Isto para mim é fundamental - haver tempo, sonhar com uma experiência artística fascinante e reunirem-se as condições para ir, o mais possível, ao encontro desse sonho.
A equipa que se juntou é para mim fascinante e penso que esta sensação é consensual. Neste sentido é um prazer passar tempo a trabalhar nesse contexto, a aprender uns com os outros, questionarmo-nos constantemente e também, nos tempos livres, falar da vida no geral e ouvir as visões sobre o mundo dos outros.
Ou seja, para responder de forma imensamente simples:  ter estado em residência foi bastante bom por imensas boas razões.


- Na sinopse lê-se "O Cesariny uma vez escreveu "Ama como a estrada começa", como foi o caminho criativo, vinhas com uma ideia e deixaste os restantes elementos construir “a estrada”, ou foi uma criação do zero com todos?
Havia já muita coisa feita, nomeadamente grande parte da música escrita e ideias do vídeo definidas. Ainda assim houve um trabalho conjunto feito com base neste material, que o conduziu a territórios diferentes, que o fortaleceu e que lhe deu roupagens, às vezes, muito diferentes.
A contribuição de todos foi fundamental tanto em termos específicos como em termos gerais quando questionávamos juntos as questões formais de uma das peças ou do espectáculo inteiro. A relação do vídeo e da música também foi discutida durante a semana e penso ter influenciado uma e outra área.
Grosso modo, havia um núcleo previamente pensado por mim e pelo Miguel C Tavares que foi então trabalhado em conjunto por todos durante a residência.
Quando escrevi a primeira sinopse, onde refiro esse poema do Cesariny, estava em Porto Covo, de férias, perto do mar depois de tomar o pequeno almoço, um daqueles que se tomam nas férias. Nesse momento, ao pensar no espectáculo ainda a estrada era um mistério. Agora, embora já parcialmente percorrida, a estrada é, de alguma forma, ainda um mistério. E eu gosto disso. Acho que gostamos todos.

- Sentes que é um caminho tortuoso a mistura com imagem? É um elemento que ajuda a compor todo o espaço cénico, é de alguma forma repartida a experiencia?
A mistura com a imagem é para mim por um lado muito evidente por outro desafiante, no sentido em que desafia a minha imaginação musical e a leva a outros sítios. Se ela me parece evidente numa certa perspectiva é porque sinto ter uma imaginação visual em relação às minhas produções sonoras e muitas são as vezes em que as ideias musicais vêm de ideias visuais também. Por outro lado, sendo o universo visual proposto por outro artista, as minhas primeiras imaginações são desafiadas com elementos diferentes e isso faz com que os caminhos que fui e que fomos escolhendo tenham evoluído inesperadamente.
Parece-me claro que o vídeo contribua para definir um espaço cénico diferente do que seria o habitual num concerto tradicional, ainda por cima nesta caso em concreto sendo ele um elemento tão presente no palco. Por cima dos músicos estendia-se uma grande tela onde era projectado o vídeo. A iluminação do concerto foi quase exclusivamente feita através do próprio vídeo além de uma pequena iluminação que cada músico usava para poder ler as partituras.
A experiência parece-me ser repartida no sentido em que as ideias musicais influenciaram as ideias visuais e vice versa.  Enquanto espectáculo parece-me também interessante que cada área possa ter o papel de contradizer, reforçar e comentar a outra.

- Foi uma proposta arriscada por parte da Porta-jazz, mas já contas com alguns trabalhos de cruzamentos interdisciplinares. Este foi de alguma forma diferente?
Este foi diferente no sentido em que assumi um papel de liderança no projecto. Foi também a primeira vez que trabalhei com música e vídeo. (Antes tinha participado em projectos que cruzavam dança e música ou teatro e música). Para além disso é um projecto distinto em termos de conteúdo. Talvez tenha sido também o projecto interdisciplinar no qual senti que a música era igualmente relevante no espectáculo não sendo somente um elemento que complementa uma outra área. Penso que este espectáculo teve um bom equilíbrio neste sentido tendo o vídeo ou a música assumido papeis de relevância diferentes em diferentes partes do espectáculo.

- Existem mais ideias para continuar a dar vida a este projecto?
Existem algumas ideias para desenvolver o projecto.  Gostaríamos imenso de o repetir, levá-lo a outras salas e países. O facto de ser um espectáculo que combina vídeo e música permite-o ser apresentado em contextos diversos, por exemplo, em festivais de cinema ou de artes visuais e também, claro, em espaços que programam concertos mais tradicionais. Além disto, temos ideias para desenvolver o espectáculo e aperfeiçoá-lo, temos vontade de o fazer evoluir.
E acima de tudo, tendo sido o encontro das pessoas que participaram neste projecto um encontro feliz, temos vontade de continuar a trabalhar juntos. 
Quem sabe, no futuro, um novo espectáculo?

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