ACDM - Como foi fazer estas “Canções do pós-guerra” e de que guerra estamos a falar?
ACDM - Agora estava a pensar, escritor de canções, sem formação musical, portanto és uma espécie do nosso Johnny Cash de Tondela, quase…
S - Quem me dera…
(risos)
ACDM - Tu agora como escritor de canções, estás a ser também, cada vez mais, solicitado por outros que te estão a pedir coisas tuas. Como é que consegues passar de “lado”, pois aí já não és o Samuel Úria. Escreves em função da pessoa ou tens a canção e aí a pessoa pede-te e, toma lá?
S - Eu costumo dar sempre o exemplo disto como um paradoxo, se o convite me é feito, à partida, as pessoas que me convidam, querem uma canção reconhecidamente minha ou que tenha as minhas características e então, quando paro escrever a canção, sou 100% eu, ou seja, vou usar aquilo em que sou mais forte ou até vou fazer a capitalização dos meus defeitos, mas que constituem aquilo que é o meu espólio musical.
Por outro lado, e daí vem o paradoxo, eu tento ser 100% a outra pessoa, porque tenho a voz do intérprete na cabeça, a maneira como eu escrevo, os temas para onde vou, eu tento que sejam consentâneos com a voz que eu conheço e quero desenvolve-las em conformidade com essa voz e então há esse lado paradoxal de ser 100% uma coisa e 100% outra e ser uma coisa completa e não dar os 200% que seriam irreais.
ACDM - E agora fizeste-me lembrar outra coisa porque as conversas são um bocado assim, já alguma vez te passou pela cabeça fazeres um disco, um E.P., seja o que for, “As canções dos outros” em que tocas as que fizeste para os outros, já tens um grande portefólio dessas canções, já imaginaste fazer um disco, tipo, como é que eu gostava que isto tivesse soado?
S - Sabes que, tirando uma excepção ou outra, eu acho que eu normalmente entrego as canções e fico muito contente por entrega-las e sei que, e isto tem sido uma constante, os intérpretes a quem as entrego, são melhores intérpretes do que aquilo que eu sou, e então não fico com aquele prurido de “ah, criei uma grande canção que poderia ser eu a tocá-la”, não, eu sei que a voz que a vai levar, vai exponenciá-la mais do que aquilo que eu poderia, então fico muito contente, sobretudo se houver sucesso na voz de outra pessoa.
Agora fazer um concerto em torno dessas canções, volta e meia, já aconteceu, eu lembrar-me de uma canção que escrevi para alguém e até lembrar-me que até a sabia de cor e arriscá-la em concertos, isso já aconteceu.
Mas não estou tão voltado para fazer um concerto em torno disso porque é como te estava a dizer, há uma preocupação muito grande em pensar a canção na voz do destinatário e das canções que eu tenho feito, tirando uma que já existia, já pré-existia, e ofereci-a porque depois de já a ter feito, eu não achei que aquilo era para a minha voz e quando conheci o António Zambujo, percebi que estava ali o receptáculo ideal para a canção que eu tinha feito, dei-lhe uma canção pré-existente.
Tirando esse exemplo, as canções têm sido sempre feitas à medida e então se eu estiver a voltar “enforma-las” para mim, estou a “desenformar” aquilo que eu fiz do original e então não tenho essa perspectiva, mas não digo que não, não é impossível.
ACDM - Então uma outra questão, porque não fazer como o Johnny Cash e “as canções dos outros”, mas daqueles que tu adoras, gostas de ouvir música também, não só dos que estão ao teu lado, mas também has-de ter ídolos e porque não fazer essas canções que gostas, até diria que pode ser “a falar”, como ele fazia, nunca pensaste fazer algumas versões?
S - Vou tocando, vou tocando, há canções como por exemplo quando eu, mesmo com a banda, há uma versão dos Vaselines, há uma versão que vou tocando, volta e meia, o “Chamar a Música” que eu já gravei, quando estou em duo, às vezes toco com o Silas ou com o Miguel Ferreira, mas sobretudo com o Silas, costumo fazer uma versão dos GNR e às vezes faço uma versão do Chico César.
Há canções que eu gosto de homenagear e que gosto de dar uma roupagem que é muito minha e isso é um exercício divertido, agora pensar fazer um concerto enquanto intérprete, eh pá, se calhar vou esperar por alguma ”consagração maior”, só pelo facto de eu achar que, de alguma maneira, eu continuo, mesmo sendo uma pessoa que adora dar concertos e, possivelmente o expoente da minha música, está nos concertos ao vivo, ainda assim e tendo consciência disso e tendo maior prazer, mais até nos concertos do que a escrever, eu sinto que sou mais um escritor de canções do que um intérprete e então, estar a pegar em canções dos outros, sentindo-me mais um escritor do que um intérprete, não faria muito sentido.
Mas é como eu te digo, como há pessoas que eu também sei que se sentem mais escritoras que intérpretes, como por exemplo o Sérgio Godinho (ACDM – estava a pensar exactamente nisso), chegando a um patamar de consagração ele já pode debitar as canções - estas são as minhas canções preferidas, vou fazer um concerto em torno das minhas preferidas – se calhar um dia em que eu me sentir, suficientemente, “consagrado”, vou fazer isso.
ACDM - Já não faltarão assim tantos anos, estás com quantos anos de carreira, neste momento?
S - Oh pá olha, é sempre um bocadinho difícil precisar, se eu começar a contar desde que tive as primeiras bandas, isso é um bocado ridículo, porque as minhas primeiras bandas foram na adolescência e não posso assumir isso como um início de carreira, porque não era uma carreira.
ACDM - Ou contando com o primeiro álbum…
S - Vou contar com o primeiro álbum que foi no início de 2003, ou seja, já lá vão 17 anos…
ACDM - Portanto mais 13 já dá para fazer os 30…
S - É verdade…
ACDM - É que eu estava a fazer contas ao número de vezes que já te vi e qual foi a minha 1ª vez e como tive contacto com a tua música, pela primeiro que tudo e, estava-me a lembrar que, recentemente tivemos a Márcia aqui no Teatro Aveirense e eu recebo um disco teu, o primeiro álbum, vá, com distribuição comercial, num concerto da Márcia, no Passos Manuel, de apresentação do seu 1º álbum. Logo aqui já havia uma conexão e acho que ainda não tinham feito nenhuma canção em conjunto.
S - Não, na altura, não. Já tínhamos feito concertos juntos, mas nenhuma canção ainda.
ACDM - Mas, para mim, já havia ali qualquer coisa de mística, pois, no dia em que vou ao Porto ver a Márcia, dão-me o disco do Samuel para eu vir a ouvir, no carro, até Aveiro. Foi o Pedro Santos (o manager de ambos, na altura) outra conexão com Aveiro, e claro, os artistas estrangeiros, quando vêm a Portugal, dizem todos “I Love Portugal!” e não sei quê. Tu quando vens a Aveiro e não só, Estarreja, Águeda, Albergaria, Ílhavo, sentes alguma relação especial com esta região?
S - Sobretudo Aveiro e Ílhavo, Águeda também, embora Águeda eu considere mais próximo de mim do que propriamente Aveiro, geograficamente era mais perto de Tondela. Então assim, sinto uma proximidade geográfica com Águeda, Aveiro já era mesmo sair de onde eu estava.
Mas, sim, tem sido um dos sítios onde tenho tocado mais, aliás, nos últimos dois anos, eu dei 4 concertos em Aveiro e mais algumas vezes, estive em Ílhavo, eh pá, e então tornou-se mesmo uma região especial, onde tenho feito amigos, mesmo amigos, é malta que vem aos concertos e com quem eu criei uma relação.
Teatro Aveirense - 31 de Outubro de 2020
Já não via a Márcia há uns anos (a última vez creio que foi na Rádio Faneca de 2016, estava ela gravidíssima), e foi uma maravilha poder revê-la. É uma alegria ver projectos musicais a evoluir e a crescer e a Márcia é um desses casos.
Sozinha à guitarra, como quando começou, foi com A Pele Que Há Em Mim - o seu primeiro grande sucesso (principalmente na versão com o JP Simões) - que ela iniciou a maravilhosa noite.
Desde o primeiro momento ela agarrou o público e fez dele o que queria. Cada vez mais segura em palco e com um enorme à vontade, foi fazendo desfilar as suas canções.
Desde a segunda canção, acompanhada da sua competentíssima banda - Zé Kiko na Bateria, David Santos no baixo, Miguel Dordio na guitarra e teclados e Filipe Monteiro (também Marido e realizador de alguns dos melhores vídeos que têm aparecido na nossa cena musical) nas guitarras e teclados, bem como da sua restante equipa que como disse nas suas palavras "sem eles não somos nada", composta por Pedro Borges (Roadie), Ângelo Lourenço (Som), Pedro Loureiro (Luzes) e Pedro Coimbra (na Estrada) - deram-nos um grande concerto.
Com uma carreira que já conta com quatro álbuns e um E.P., já chegámos àquela parte em que não dá para tocar todas as boas canções, senti falta do "P'ra Quem Quer" (mas isso sou eu que sou "old school") mas assim, acabamos por ter mais razões para ir ver vários concertos.
Já vi muitos concertos, mas continuo a ver pois nunca sabemos quando somos surpreendidos, desta vez o factor "arrepio de emoção", veio quando ela cantou, em versão A Capela, os temas "Até ao Verão", letra que fez para Ana Moura) e "A Presença das Formigas" do nosso Zeca Afonso, ambas magistrais.
Também não faltou "Lado Oposto" que é, de todas as suas canções, a que mais gosto, tocada a fechar o concerto (ainda houve encore), com uma "tempestade Sónica", como deus manda.
Ainda apresentou, com merecido orgulho, o seu mais recente "filho", o livro "As estradas são para ir", onde junta a sua poesia a algumas ilustrações feitas por ela, tudo criado em tempos de dificuldade e isolamento.
Várias foram as ovações, bem merecidas, de um público perfeitamente rendido que encheu o Teatro Aveirense (cumprindo, à risca, as regras da DGS, a que estamos sujeitos), só para a ver.
Tenho a certeza que ela também gostou, basta ver o seu sorriso no final.
Encontram mais fotos desta belíssima noite, na página de facebook deste blog.
Eis o alinhamento do concerto:
- A Pele Que Há Em Mim (a solo)
- Cabra-Cega
- Manilha
- Tempestade
- Corredor
- Tempo de Aventura
- Ao Chegar
- Até ao Verão (a solo)
- A Presença das Formigas (a solo)
- Mil Anos
- Menina
- Bom Destino
- Do Que Eu Sou Capaz
- A Insatisfação
- Lado Oposto
Encore
- Amor Conforma (a solo)
- Desmazelo
30 de Outubro de 2020
Já era a segunda visita do Jorge da Rocha ao Avenida, desta vez veio com banda, e finalmente, consegui ir assistir ao seu concerto.
A "desculpa" era a apresentação de "BLAU - Being Lost As Usual", o seu mais recente e, diga-se de passagem, excelente álbum.
Contando com a talentosa companhia de Marco Moreira na guitarra, Tó Oliveira na Bateria, e Gil Alves no clarinete, Jorge da Rocha proporcionou-nos um magnífico passeia pela sua maravilhosa música.
O acústico, o eléctrico e o electrónico, cruzam-se de uma maneira que torna difícil compartimentar a sua música, ora isso liberta-me para usar a simples classificação de boa música. Já falei do talento de todos os executantes, mas não me fica mal sublinhá-lo novamente.
Depois temos as letras que nos vão trazendo, de uma forma especial, algumas lembranças de situações que nos afectaram e afectam, como no tema "Terra Quente", que fala do problema dos incêndios que, infelizmente, com alguma regularidade, nos assolam.
A forma pouco "ortodoxa", como o Jorge aborda o seu contrabaixo, vai cativando a cada tema. De tema para tema, o instrumento vai sendo explorado das mais diferentes formas, chegando a ser quase hipnotizante, pelos sons que emite.
Avenida Café-Concerto - Aveiro - 24 de outubro de 2020
No passado sábado, numa verdadeira luta contra o medo, os Birds are Indie vieram celebrar 10 anos de existência, à sala do Avenida.
Com "Migrations - Travel Diaries #1", um disco já nascido nestes tempos (loucos) de pandemia, a banda revisitou o seu historial de belas canções, aqui refeitas, às quais acrescentou algumas completamente novas.
A formação original está agora acrescida de mais um membro, Jorri (A Jigsaw) que os acompanha no baixo e nos teclados, dando um toque extra à música da banda.
Um punhado de bravos, devidamente sentado e equipado das máscaras obrigatórias, não se deixou vencer pelo medo e fez barulho, no intervalo das canções, como se de uma centena de pessoas se tratasse.
A banda retribuiu, como sempre, dando o seu melhor em palco e mostrando o que têm andado a fazer. A viagem durou pouco mais de uma hora e deu a todos uma força extra para enfrentar estes tempos.
Canções como "We're not coming down", a primeira que alguma vez fizeram, ganhou uma nova interpretação, e deu uma força extra a quem ainda acredita que não nos vão deitar abaixo.
Foi uma verdadeira noite de celebração que encheu os corações de todos os que ali se juntaram, mostrando que é possível, seguro e muito salutar, assistir a espectáculos culturais.