quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Conversa com Samuel Úria - 1ª Parte

 


Era para ser ua pequena entrevista sobre "Canções do Pós-Guerra", o mais recente disco disco de Samuel Úria e tornou-se numa conversa de amigos que, por ter ficado extensa, está dividida em quatro partes.
Espero que gostem tanto de ler, como eu gostei de a ter.

ACDM - Como foi fazer estas “Canções do pós-guerra” e de que guerra estamos a falar? 

S - Olha, foi um despercebimento completo em relação a 2020, porque as canções foram escritas em 2019, e curiosamente têm-me perguntado se eu me sinto com uma veia profética, por ter escrito estas canções que são, não são todas, mas há algumas canções que reflectem algum desespero, algumas canções um bocadinho mais soturnas e perguntam-me se de facto foi alguma previsão, se foi uma premonição, mas não, pelo contrário, se eu soubesse que íamos ter um ano tão desesperado e triste e negro, teria escrito um disco que contrariasse isso. 
Mas não, acabou por ser um disco que vai um bocado ao sabor do tempo e será marcado por este ano. Nunca me iria esquecer deste ano, mas felizmente ou infelizmente, tenho algumas canções que o acompanham e é a minha banda sonora de concertos, são canções que estão no seu habitat natural que é este 2020 tão estranho. 

ACDM - Então isso quer dizer que em 2021 teremos outro disco para “animar a malta”, não?

S - Olha, poderia ser, embora, lá está, como também tem havido menos concertos por precaução, por redução do número de pessoas em sala, por cancelamentos porque aos fins de semana as pessoas não podem circular e etc, eu ainda não mostrei suficientemente este disco, o que quer dizer que em 2021, se Deus quiser, se houver oportunidade, vou ainda andar a mostrá-lo. 

ACDM - Pois, já o anterior andaste vários anos a mostrá-lo. 

S - Pois, é verdade, curiosamente o outro disco que saiu em 2016, andei durante quatro anos a tocá-lo e continuei a conseguir vender esse disco, ainda, é verdade que também houve um E.P. pelo meio que também ajudou a revitalizar os concertos, mas de facto havia pessoas novas a querer um disco “velho” e isso aumentou a longevidade do “Carga de Ombro”. 

ACDM - Agora fizeste-me lembrar uma coisa gira, que é esta noção de “disco velho”, porque de repente os discos começaram a ser, para já começaram a ser quase “peças inúteis” que as pessoas não compravam, mas o que é facto é que tu nos concertos, consegues vender discos, tens montes de pessoas sempre à espera para os comprar (e autografar, acrescento agora) e não se preocupam com a idade dos discos, o que não é muito normal, isto quer dizer que as tuas canções envelhecem bem? 
S - Eu acho que isso pode ter a ver com o facto de eu não ser propriamente um fenómeno POP e então também tenho a noção de que quem vai aos concertos, são pessoas que de alguma maneira têm uma ligação musical que não é aquela mais imediata, e não estou de alguma maneira a menosprezar quem tem essa relação com a música mais imediata, mais POP, até mais descartável, nada contra, sou muito fã de música descartável. 
Mas tenho um bocado a noção que, provavelmente, o meu público não será desse género e então, havendo se calhar esses laivos de melomania, são pessoas que gostam de comprar e gostam de ter o objecto e sobretudo, agora com o vinil, ainda é um objecto que se tornou mais apetecível, apesar de ser mais caro que o CD, mas tem a dimensão e a “cerimoniosidade” que os CD ou que a música em formato digital, não tem. 
Nesse sentido acho que se justifica o facto de haver bastantes vendas de discos nos concertos. 
ACDM - No “Canções do Pós-Guerra”, cimentaste a tua relação com o Miguel Ferreira, mais neste disco ainda, que nos anteriores. 
Qual é a parte que é tua e qual é a parte que é dele ou está tudo misturado neste disco?
S - Embora as canções tenham todas a minha autoria, há já um processo de bastante confiança, é verdade que começou no “Carga de Ombro”, embora este tivesse sido uma exploração não só das canções, mas também das próprias qualidades do Miguel, enquanto produtor, e o Miguel, enquanto produtor, a exploração das minhas qualidades enquanto músico. 
 Mas foi uma relação que primeiro se cimentou no E.P. que nós gravámos, o “Marcha Atroz”, aí sim, houve um processo bastante partilhado. 
Eu chegava com as canções com princípio e fim, com uma estrutura, mas com o Miguel, ouvia as canções e então partilhávamos um bocado a dimensão, o onde queríamos chegar e aquilo que era acrescentado ao esqueleto da voz e guitarra – que é como eu faço as canções, normalmente, às vezes faço nos teclados, mas normalmente voz e guitarra – mas ouvia aquilo com o Miguel, pensávamos até um bocadinho em torno das letras e o que é que se poderia acrescentar ali, que “carga” musical ou que carga instrumental poderia levar que não destoasse do teor do tema ou da intensão ou da intensividade da música e, nesse sentido, o Miguel tornou-se mesmo num parceiro de exploração da intensidade das canções que é uma coisa que eu, tenho amigos em quem confio isso, mas nessa relação de produtor que é uma relação profissional, estou bastante surpreendido porque de facto, de repente, o profissional está cada vez mais “oleado”, conforme a amizade também está “oleada”, a maneira como nós nos conhecemos pessoalmente, influencia a maneira como também a exploração musical se faz a dois.
 
ACDM - Essa amizade já se notava na tour do E.P. em que andaram os dois, não totalmente (também andou com o Silas Ferreira), mas em parte, em que andavam os dois e essa tour também ajudou a cimentar a relação e depois a fazer esses produtos finais fantásticos, não é? 

S - É verdade, esses concertos em duo foram mesmo, para já passámos muito tempo juntos e depois, lá está, é verdade porque eu acho que quando partimos para esses concertos, eram muito notórios os nossos backgrounds diferentes, em termos até de aprendizagem, de mestria dos instrumentos. 
O Miguel é uma pessoa muito mais metódica do que eu que não aprendi música, o Miguel aprendeu, está numa banda que em termos técnicos é mais exigente do que aquilo que a exigência que eu devoto às minhas canções, em termos técnicos, de destreza instrumental, etc. 
Mas de repente nós apercebemo-nos que tínhamos mais em comum do que coisa que nos afastavam e essa descoberta foi muito interessante e acho que ajudou-me a elevar como músico e enquanto escritor de canções e acho que o Miguel, enquanto produtor, também se apercebeu de um universo novo que podia explorar e onde também podia desenvolver-se.


Conversa com Samuel Úria - 2ª Parte

 


DE JOHNNY CASH AOS AMIGOS DE TODA A REGIÃO DE AVEIRO

ACDM - Agora estava a pensar, escritor de canções, sem formação musical, portanto és uma espécie do nosso Johnny Cash de Tondela, quase… 

S - Quem me dera… 

(risos) 

ACDM - Tu agora como escritor de canções, estás a ser também, cada vez mais, solicitado por outros que te estão a pedir coisas tuas. Como é que consegues passar de “lado”, pois aí já não és o Samuel Úria. Escreves em função da pessoa ou tens a canção e aí a pessoa pede-te e, toma lá? 

S - Eu costumo dar sempre o exemplo disto como um paradoxo, se o convite me é feito, à partida, as pessoas que me convidam, querem uma canção reconhecidamente minha ou que tenha as minhas características e então, quando paro escrever a canção, sou 100% eu, ou seja, vou usar aquilo em que sou mais forte ou até vou fazer a capitalização dos meus defeitos, mas que constituem aquilo que é o meu espólio musical.

Por outro lado, e daí vem o paradoxo, eu tento ser 100% a outra pessoa, porque tenho a voz do intérprete na cabeça, a maneira como eu escrevo, os temas para onde vou, eu tento que sejam consentâneos com a voz que eu conheço e quero desenvolve-las em conformidade com essa voz e então há esse lado paradoxal de ser 100% uma coisa e 100% outra e ser uma coisa completa e não dar os 200% que seriam irreais. 

ACDM - E agora fizeste-me lembrar outra coisa porque as conversas são um bocado assim, já alguma vez te passou pela cabeça fazeres um disco, um E.P., seja o que for, “As canções dos outros” em que tocas as que fizeste para os outros, já tens um grande portefólio dessas canções, já imaginaste fazer um disco, tipo, como é que eu gostava que isto tivesse soado?

S  - Sabes que, tirando uma excepção ou outra, eu acho que eu normalmente entrego as canções e fico muito contente por entrega-las e sei que, e isto tem sido uma constante, os intérpretes a quem as entrego, são melhores intérpretes do que aquilo que eu sou, e então não fico com aquele prurido de “ah, criei uma grande canção que poderia ser eu a tocá-la”, não, eu sei que a voz que a vai levar, vai exponenciá-la mais do que aquilo que eu poderia, então fico muito contente, sobretudo se houver sucesso na voz de outra pessoa. 

 Agora fazer um concerto em torno dessas canções, volta e meia, já aconteceu, eu lembrar-me de uma canção que escrevi para alguém e até lembrar-me que até a sabia de cor e arriscá-la em concertos, isso já aconteceu. 

Mas não estou tão voltado para fazer um concerto em torno disso porque é como te estava a dizer, há uma preocupação muito grande em pensar a canção na voz do destinatário e das canções que eu tenho feito, tirando uma que já existia, já pré-existia, e ofereci-a porque depois de já a ter feito, eu não achei que aquilo era para a minha voz e quando conheci o António Zambujo, percebi que estava ali o receptáculo ideal para a canção que eu tinha feito, dei-lhe uma canção pré-existente. 

Tirando esse exemplo, as canções têm sido sempre feitas à medida e então se eu estiver a voltar “enforma-las” para mim, estou a “desenformar” aquilo que eu fiz do original e então não tenho essa perspectiva, mas não digo que não, não é impossível. 

ACDM - Então uma outra questão, porque não fazer como o Johnny Cash e “as canções dos outros”, mas daqueles que tu adoras, gostas de ouvir música também, não só dos que estão ao teu lado, mas também has-de ter ídolos e porque não fazer essas canções que gostas, até diria que pode ser “a falar”, como ele fazia, nunca pensaste fazer algumas versões? 

S - Vou tocando, vou tocando, há canções como por exemplo quando eu, mesmo com a banda, há uma versão dos Vaselines, há uma versão que vou tocando, volta e meia, o “Chamar a Música” que eu já gravei, quando estou em duo, às vezes toco com o Silas ou com o Miguel Ferreira, mas sobretudo com o Silas, costumo fazer uma versão dos GNR e às vezes faço uma versão do Chico César.

Há canções que eu gosto de homenagear e que gosto de dar uma roupagem que é muito minha e isso é um exercício divertido, agora pensar fazer um concerto enquanto intérprete, eh pá, se calhar vou esperar por alguma ”consagração maior”, só pelo facto de eu achar que, de alguma maneira, eu continuo, mesmo sendo uma pessoa que adora dar concertos e, possivelmente o expoente da minha música, está nos concertos ao vivo, ainda assim e tendo consciência disso e tendo maior prazer, mais até nos concertos do que a escrever, eu sinto que sou mais um escritor de canções do que um intérprete e então, estar a pegar em canções dos outros, sentindo-me mais um escritor do que um intérprete, não faria muito sentido. 

Mas é como eu te digo, como há pessoas que eu também sei que se sentem mais escritoras que intérpretes, como por exemplo o Sérgio Godinho (ACDMestava a pensar exactamente nisso), chegando a um patamar de consagração ele já pode debitar as canções - estas são as minhas canções preferidas, vou fazer um concerto em torno das minhas preferidas – se calhar um dia em que eu me sentir, suficientemente, “consagrado”, vou fazer isso. 

ACDM - Já não faltarão assim tantos anos, estás com quantos anos de carreira, neste momento? 

S - Oh pá olha, é sempre um bocadinho difícil precisar, se eu começar a contar desde que tive as primeiras bandas, isso é um bocado ridículo, porque as minhas primeiras bandas foram na adolescência e não posso assumir isso como um início de carreira, porque não era uma carreira. 

ACDM - Ou contando com o primeiro álbum… 

S - Vou contar com o primeiro álbum que foi no início de 2003, ou seja, já lá vão 17 anos…

ACDM - Portanto mais 13 já dá para fazer os 30… 

S - É verdade… 

ACDM - É que eu estava a fazer contas ao número de vezes que já te vi e qual foi a minha 1ª vez e como tive contacto com a tua música, pela primeiro que tudo e, estava-me a lembrar que, recentemente tivemos a Márcia aqui no Teatro Aveirense e eu recebo um disco teu, o primeiro álbum, vá, com distribuição comercial, num concerto da Márcia, no Passos Manuel, de apresentação do seu 1º álbum. Logo aqui já havia uma conexão e acho que ainda não tinham feito nenhuma canção em conjunto. 

S - Não, na altura, não. Já tínhamos feito concertos juntos, mas nenhuma canção ainda. 

ACDM - Mas, para mim, já havia ali qualquer coisa de mística, pois, no dia em que vou ao Porto ver a Márcia, dão-me o disco do Samuel para eu vir a ouvir, no carro, até Aveiro. Foi o Pedro Santos (o manager de ambos, na altura) outra conexão com Aveiro, e claro, os artistas estrangeiros, quando vêm a Portugal, dizem todos “I Love Portugal!” e não sei quê. Tu quando vens a Aveiro e não só, Estarreja, Águeda, Albergaria, Ílhavo, sentes alguma relação especial com esta região? 

S - Sobretudo Aveiro e Ílhavo, Águeda também, embora Águeda eu considere mais próximo de mim do que propriamente Aveiro, geograficamente era mais perto de Tondela. Então assim, sinto uma proximidade geográfica com Águeda, Aveiro já era mesmo sair de onde eu estava. 

Mas, sim, tem sido um dos sítios onde tenho tocado mais, aliás, nos últimos dois anos, eu dei 4 concertos em Aveiro e mais algumas vezes, estive em Ílhavo, eh pá, e então tornou-se mesmo uma região especial, onde tenho feito amigos, mesmo amigos, é malta que vem aos concertos e com quem eu criei uma relação.


Ler 3ª Parte.

Conversa com Samuel Úria - 3ª Parte

 


POLÉMICA POLÍTICA OU HÁ GENTE MUITO DISTRAÍDA...

ACDM - E agora vou meter uma “bucha”, malta que até é de esquerda e gosta de mata de direita. (risos) 
S - Malta que tolera as minhas ideias “fascistas” .
(mais Risos) 
ACDM - Não sei se queres falar sobre isso, mas como sou infoexcluído do Twitter, só soube da polémica (Nota - um texto assinado por vários pessoas de direita a demarcar-se de ideias e facções totalitárias de direita que estão a ganhar “tempo de antena” em Portugal e no resto do mundo), no programa “Preciso de Falar” das manhãs de domingo na Antena 3. 
Então aproveitei uma foto que tínhamos a fazer o “V” de vitória e até disse (ironicamente) que estávamos a festejar a vitória da AD de 1979. 
(Risos) 
E partilhei aquilo dizendo algo do género, agora a sério, nunca leram textos de opinião do Samuel ou leram algumas das suas letras? Isto não lembra ao diabo. 
Um dos comentadores do programa, ou o Nuno Galopim ou o Rui Miguel Abreu, não sei precisar, chegou a dizer: “O Samuel deve de se estar a rir à brava, ao ler alguns dos comentários mais inflamados do Twitter”. 
S - É verdade, é verdade, mas como já tive Twitter há dez anos e perdi a password, estava a receber de amigos meus, sobretudo amigos de esquerda, a rirem-se também eles a bandeiras despregadas, a mandarem-me uma espécie de best of, das coisas que estavam a ser ditas.
E de facto tinham muita piada, foi mesmo uma tarde divertida para mim. 
Para já, por causa daquela ideia de que eu, de repente, saí do armário, só porque assinei um texto (ACDM – um texto coerente e sem nada que se aponte), aliás um texto contra a normalização da extrema direita, contra a normalização de ideias fascistas e autocráticas que devia ser a coisa mais normal., eu cresci com a normalidade de rejeição da autocracia e do fascismo e das ideias de extrema direita. 
Mas de facto no Twitter, e até, se calhar, por ser marcado por gente mais nova, o texto em si, não interessava para nada, havia ali era uma espécie de “escapou-nos ao index oficial” que há um artista que não se, nem é ser de direita, é alguém que se diz de não socialista, de facto essa era a nomenclatura, era os não socialistas. 
E então surgiu, tenho consciência que surgiu, logo no início, o “ah, esse gajo não é socialista, cancelem-no”, mas de repente, e aquilo foi só no início, foi uma defesa de carácter, malta que me conhece a fazer uma defesa pessoal e também, malta que não me conhece a fazer uma coisa que pode parecer quase perniciosa, tendo em conta o espectro democrático, “ele é de direita, mas” quase parece, “mas até tem maneiras, até deve fazer a sua higiene pessoal e íntima”, é quase aquela defesa, “mas não sei quê…” 
ACDM -Sim, sim, eu achei fantástico porque, apanhei aquilo já com “o comboio em andamento” ou já quase a parar na estação, e achei curioso, será que tu os baralhaste com o “Fica Aquém”? 
S - Eu durante 3 anos, escrevi textos de opinião, colunas de opinião e crónicas, e sendo eu uma pessoa que, lá está, ou desde que me fiz pessoa, nunca me conotei propriamente com a esquerda, porque eu tinha sempre uma ideia da esquerda que é um bocadinho mais dogmática e os meus dogmas não estão na política, a esquerda sempre me pareceu um bocado, de alguma maneira mais doutrinária e eu fugi dessa doutrina.
Também ajudou eu ter-me feito adolescente e adulto, na altura do Independente e a ler os textos do Miguel Esteves Cardoso, ajudou um bocado a perceber que um pensamento livre, se se dissesse de esquerda, sendo livre na mesma, teria de respeitar um sem número de ideais que eu, muitas vezes respeitando, posso perfilha-los não sou aperfilhado por eles, aí é que esta, na direita achei que teria sempre mais liberdade, baldando-me para o que é de direita ou o que não é. 
Mas curiosamente, quando eu fazia esse artigos de opinião, normalmente quando eu falava de questões como o racismo, o racismo então era um clássico, uma das críticas e, normalmente, a maioria das pessoas que vão comentar, é para mandar vir com quem escreveu e uma das coisa que mais me chamavam, nas caixas de comentários, era de Esquerdalho, o nome que mais me chamavam era “este esquerdalho, não sei quê , olha para o PCP que também matou não sei quanta gente”. 
ACDM - Pois, aquela “contagem de cadáveres” do costume, não é? 
S - Sim, curiosamente, sendo eu falando completamente em plena consciência do que são os meus ideais e do que não são os meus dogmas, uma das críticas que mais me faziam era ser um Esquerdalho. ACDM - Sim, e em certa parte, és também (risos), e já agora, falaste do independente, eu quando era mais novo, bebia muito do Independente e aprendi a escrever e fui fã do MEC, estavas a assinar ao lado, mais abaixo, dele. 
S - Sim, é verdade, não sei quem está na génese do texto, mas o grosso do texto um dos principais que é também meu amigo, é o Pedro Mexia, com quem também me revejo e que também fez uma espécie de revolução intelectual da direita, na altura do início do século, também com os blogs, sobretudo com a Coluna Infame que foi, possivelmente, o primeiro grande blog de política em Portugal e que depois os blogs políticos de esquerda, que nasceram na mesma altura, não foram em contrariedade à Coluna Infame, mas simplesmente, malta de esquerda que era amiga da malta da CI, do Pedro Mexia, do Pedro Lomba e, outro que me está a falhar, era malta que , por serem amigos, quiseram também ter um blog, não em contraponto, mas quiseram ter um blog para fazer uma discussão saudável. 
Foi de facto o Pedro, de quem parte esse texto, o Francisco Mendes da Silva , também, uma pessoa… 
ACDM - Viseense, claro que fica ali perto do eixo do Cavaquistão. 
(risos) 
S - Sim, viseense, sim, são eles que me falam desse texto e são pessoas em quem eu confio, obviamente que só anuí com a minha assinatura, depois de ler e pá, é uma coisa impossível de não concordar. 
ACDM - Claro, eu comecei a pensar na polémica passado meia hora ou assim e isto só prova que a inteligência, tal como a estupidez, não escolhe direita nem esquerda, é uma coisa incrível, eu fiquei pasmado porque acima de tudo eu admiro a inteligência e nunca vou deixar de ouvir ou ler alguém, só porque é de direita ou de esquerda.

Conversa com Samuel Úria - 4ª parte

 


ACDM - Aqui há dias estava a falar com um amigo acerca do Leonard Cohen e desde que li a sua biografia, nunca mais olhei para o “Chelsea Hotel Nº1” da mesma maneira, porque foi quando eu descobri que ele identificou a Janis Joplin, como a senhora que estava a “rezar”
S - Sim, sim, a “dar cabeça”. 
ACDM- E isso chocou-me um bocado porque, não sei se leste a biografia do Cohen. 
S - Sim, sim. 
ACDM - É que eu fiquei chocadíssimo porque, li-o à cerca de uma ano, ele é tão amoroso com as suas canções e, ao mesmo tempo era um filho da mãe porque deixava a mulher, que já tinha roubado a um amigo, seis meses na Grécia, a tomar conta dos filhos e ia dar uma volta atá ao tal Chelsea Hotel ou outro ponto do mundo e fazia o que lhe apetecia. Era um sacana e depois fazia canções lindíssimas. O problema é que, depois de ler a biografia, não consigo olhar para as canções da mesma maneira, fico dividido. Às vezes é melhor não saber tanto… 
S - Não olha, o Cohen tem um ponto que é curioso, é até muito curioso para uma nova discussão que se tem feito, sobretudo, nos últimos tempos, até com o movimento Me Too que é aquela coisa do, de repente conheces a personalidade da pessoa e saber se podes separar a arte da pessoa. 
Com o Cohen, dá-se o caso de ele muitas vezes tentar redimir-se nas canções. Os pedidos de desculpa, as assumpções de culpa, os trajectos de uma renovação e de ser melhor, estão nas canções. 
Nesse sentido, tu nas canções, tens mesmo o melhor dele e tens as declarações de que ele quer ser melhor e isso por um lado, mostra que mais facilmente rejeitas as biografias que as canções, as canções são mesmo o lado melhor dele. 
ACDM - E ao fim e ao cabo, quem não tem falhas ao longo da vida
S - Claro. 
ACDM - Queres dizer alguma coisa para os teus admiradores e fãs do coração, estão aí alguns e agora há malta que te quer dar beijos e abraços e não pode
S - Hoje foi muito estranho, ter a consciência de que não podia declarar, da maneira que eu queria declarar-me, porque os concertos que dei até agora, não tenho tido a limitação de tempo que tive hoje… ACDM - Este foi o primeiro com as novas regras de tempo? 
S - Sim e de facto receber pessoas num concerto, é sempre especial, mas nestas circunstâncias em que de facto, torna-se um acto de coragem, até um acto de resistência, mesmo sabendo que as pessoas estão a tomar todas as medidas de segurança e sabem que é necessário fazê-lo e mesmo assim decidem vir apoiar as artes, lá estou eu com a presunção de chamar arte a isto que eu faço. 
ACDM - Mas sim, mas sim
S - Mas até estou a falar em termos genéricos. Mas quando eu estou em palco, há uma comoção redobrada em relação aos concertos. 
Eu já sou uma pessoa muito grata por ter público e normalmente quando incidem as luzes eu consigo distinguir amigos, pá, fico feliz da vida e com amigos que faço e a interacção.
Mas está a tornar-se especial, Apesar de ver um mar de máscaras, é especial e percebe-se que atrás das máscaras, há uma intenção redobrada das pessoas mostrarem que o que está escondido é felicidade e é apoio e é comunhão com quem está em palco e é muito bonito
ACDM - E já agora uma coisa que por acaso tenho sentido, eu não deixei de ir a concertos, só não fui quando estivemos mesmo fechados, o que sinto, mesmo auditivamente, é que os aplausos são mais fortes, não sei se sentes isso? 
S - Posso estar condicionado, por querer que isso aconteça, mas eu até quando estou - eu já fui a vários concertos – como espectador e, lá está, quando alguém está em palco e pedem para cantarem canções que eu conheço, eu até tento cantar mais alto para que a máscara não bloqueie e sinto que tenho de dar mais nos aplausos, eu no lugar do espectador tenho essa experiência, tenho um bocado a vontade que isso também aconteça comigo. Eu quase que pressinto que isso, às vezes, acontece. 
ACDM - Quase que dá a impressão que estão a bater palmas para compensar os lugares que têm de estar vazios
S - É verdade, é verdade, eu acho que as pessoas se multiplicam. É quase os soldados de terracota. 
ACDM - E no meio deste ano louco, o que é que consegues dizer disto tudo, alguma coisa de sano, no meio desta insanidade toda
S - Olha, tendo a esperança que isto não vai durar para sempre, eu acho que uma das coisas positivas, é verdade que houve coisas muito negativas, e sobretudo para a minha classe, para as pessoas que trabalham com esta classe, coisas muito negativas, a falta de trabalho, a redução de público, etc. 
Mas por outro lado, enquanto público, enquanto pessoa que também avista o público eu acho que se está a criar uma “fome” por aquilo que estivemos privados e havendo uma recuperação económica, havendo um restabelecimento da normalidade, o restabelecimento de algum contacto físico e de proximidade, eu acho que temos, não sei, isto é wishful thinking, mas eu acho que em 2021, as pessoas vão “dar o litro” para poder recuperar aquilo que não puderam fazer e estou mesmo a contar com isso. 
ACDM - E, só para acabar, eu tenho-me apercebido, não sei se tu também, os disco que têm saído este ano é quase “cada tiro, cada melro”, são todos bons. 
S - Eu estou muito contente com os meus colegas que lançaram discos este ano, tenho ouvido muitos discos de malta portuguesa, também. 
ACDM - Assim de cabeça, temos o teu, temos o dos Clã, o do Sambado, o de Lobo Mau… 
S - Fachada, Mazgani, 
ACDM - O de Mazgani, saiu antes do covid, parece que foi há bué de tempo, mas é deste ano
S - O Benjamim, Noiserv, são discos que tenho ouvido com muito gosto. 
ACDM - No meio deste ano todo, parece um “Ano Vintage”, o single do Jónatas, está uma coisa brutal
S - É verdade, vem aí um grande disco que vai sair já em 2021.
ACDM - Resta-me agradecer-te, que fiques com A Certeza da Música no coração e obrigado
S- Sim, já sabes que sim. 
ACDM - E agora vou desligar, para falarmos do Benfica... 
(Risos)

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Márcia no Teatro Aveirense


 Márcia apresenta Vai e Vem

Teatro Aveirense - 31 de Outubro de 2020

Já não via a Márcia há uns anos (a última vez creio que foi na Rádio Faneca de 2016, estava ela gravidíssima), e foi uma maravilha poder revê-la. É uma alegria ver projectos musicais a evoluir e a crescer e a Márcia é um desses casos.


Sozinha à guitarra, como quando começou, foi com A Pele Que Há Em Mim - o seu primeiro grande sucesso (principalmente na versão com o JP Simões) - que ela iniciou a maravilhosa noite.

Desde o primeiro momento ela agarrou o público e fez dele o que queria. Cada vez mais segura em palco e com um enorme à vontade, foi fazendo desfilar as suas canções.

Desde a segunda canção, acompanhada da sua competentíssima banda - Zé Kiko na Bateria, David Santos no baixo, Miguel Dordio na guitarra e teclados e Filipe Monteiro (também Marido e realizador de alguns dos melhores vídeos que têm aparecido na nossa cena musical) nas guitarras e teclados, bem como da sua restante equipa que como disse nas suas palavras "sem eles não somos nada", composta por Pedro Borges (Roadie), Ângelo Lourenço (Som), Pedro Loureiro (Luzes) e Pedro Coimbra (na Estrada) - deram-nos um grande concerto.





Com uma carreira que já conta com quatro álbuns e um E.P., já chegámos àquela parte em que não dá para tocar todas as boas canções, senti falta do "P'ra Quem Quer" (mas isso sou eu que sou "old school") mas assim, acabamos por ter mais razões para ir ver vários concertos.

Já vi muitos concertos, mas continuo a ver pois nunca sabemos quando somos surpreendidos, desta vez o factor "arrepio de emoção", veio quando ela cantou, em versão A Capela, os temas "Até ao Verão", letra que fez para Ana Moura) e "A Presença das Formigas" do nosso Zeca Afonso, ambas magistrais.

Também não faltou "Lado Oposto" que é, de todas as suas canções, a que mais gosto, tocada a fechar o concerto (ainda houve encore), com uma "tempestade Sónica", como deus manda.

Ainda apresentou, com merecido orgulho, o seu mais recente "filho", o livro "As estradas são para ir", onde junta a sua poesia a algumas ilustrações feitas por ela, tudo criado em tempos de dificuldade e isolamento.

Várias foram as ovações, bem merecidas, de um público perfeitamente rendido que encheu o Teatro Aveirense (cumprindo, à risca, as regras da DGS, a que estamos sujeitos), só para a ver.

Tenho a certeza que ela também gostou, basta ver o seu sorriso no final.


Encontram mais fotos desta belíssima noite, na página de facebook deste blog.

 Eis o alinhamento do concerto:

- A Pele Que Há Em Mim (a solo)

- Cabra-Cega

- Manilha

- Tempestade

- Corredor

- Tempo de Aventura

- Ao Chegar

- Até ao Verão (a solo)

- A Presença das Formigas (a solo)

- Mil Anos

- Menina

- Bom Destino

- Do Que Eu Sou Capaz

- A Insatisfação

- Lado Oposto

Encore

- Amor Conforma (a solo)

- Desmazelo


Luis Peixoto estreia "Volta a Trás"

Já passaram alguns anos desde que conheci o Luís Peixoto, creio que a primeira vez até terá sido no Festival de Ortigueira na Galiza, ali pelo princípio dos anos "00" (tocava ele com os Dazkarieh) e desde o primeiro dia fiquei encantado pelo seu virtuosismo.
Provavelmente também já o viram a tocar com os Dazkarieh, com o Sebastião Antunes, com o Júlio Pereira, com a Ana Bacalhau ou até com os Assembly Point, um folk trio que encantou ali de 2010 em diante. Mas ele também tem coisas só dele, e em 2017, lançou o primeiro álbum a solo, de nome "Assimétrico".
Agora prepara-se para lançar o primeiro single - Volta Atras" - do próximo disco que se irá dar pelo nome de "Geodesia".
O single estreará hoje, pelas 20h.
 

Para este disco, o Luís apresetna-se em formato de trio acústico, juntamente com o catalão Ciscu Cardona (guitarra) e o asturiano Rubén Bada (violino), GEODESIA é uma viagem pelo reportório tradicional português, lado a lado com composições originais, mais centradas no bandolim e em acústico. 
Todos poderão ajudar a fazer nascer o disco, pois, ainda este mês, a partir do dia 18, decorrerá uma campanha de apoio à edição do disco GEODESIA, com benefícios exclusivos para todos os interessados em adquirir antecipadamente este novo trabalho de LUÍS PEIXOTO, um dos mais criativos multi-instrumentistas portugueses.
Está na vossa mão fazer também uma parte +por Geodesia.

Tiago Plutão Lança Single de Estreia



O Tiago Cunha (lisboeta a residir em Albufeira) aproveitou da melhor forma a pandemia que nos assola, para entrar em modo Tiago Plutão e fazer música. Para já, mostra-nos "Homem da Montanha", o primeiro single do álbum que já tem nome - "Relativizar" - e irá sair durante o primeiro trimestre de 2021. 

Aqui fica um texto para o conhecerem um pouco melhor:

"Sabemos que Plutão existe, mas não o conhecemos de verdade. Os cientistas têm alguns palpites em relação ao que poderão encontrar, mas a única afirmação segura é a que garante que Plutão será surpreendente!
 Plutão tem sido um mundo difícil de desvendar desde a sua descoberta; está localizado numa zona do espaço denominada Cintura de Kuiper. Através de imagens obtidas, verificou-se que Plutão possui um relevo bastante acidentado, marcado pela presença de um grande número de cadeias montanhosas. 
É lá que vive o Homem da Montanha, meio que a observar tudo ao longe de forma analítica e criteriosa. Atrevido, desafiador e despreocupado, vive a vida sem medos. 
"Homem da Montanha" é o single que estreia Tiago Plutão nos nossos ouvidos. Uma música altamente espacial, que nos faz sentir como se os sintetizadores nos trocassem as órbitas, rodando de forma caótica ao som de backvocals hipnotizantes, mas sempre traçando piruetas musicais graciosas que só nos podem levar a um lado: um grande amor plutónico. 
 Os cientistas suspeitam da existência de mais luas em redor de Plutão que irão acompanhar este single de estreia, mas por agora, podem ouvir o "Homem da Montanha" em todas as plataformas online e acompanhar a sua viagem através do teledisco.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Jorge da Rocha no Avenida Café-Concerto

 

Jorge da Rocha Apresenta "BLAU" no Avenida Café-Concerto

30 de Outubro de 2020

Já era a segunda visita do Jorge da Rocha ao Avenida, desta vez veio com banda, e finalmente, consegui ir assistir ao seu concerto.

A "desculpa" era a apresentação de "BLAU - Being Lost As Usual", o seu mais recente e, diga-se de passagem, excelente álbum.

Contando com a talentosa companhia de Marco Moreira na guitarra, Tó Oliveira na Bateria, e Gil Alves no clarinete, Jorge da Rocha proporcionou-nos um magnífico passeia pela sua maravilhosa música.




O acústico, o eléctrico e o electrónico, cruzam-se de uma maneira que torna difícil compartimentar a sua música, ora isso liberta-me para usar a simples classificação de boa música. Já falei do talento de todos os executantes, mas não me fica mal sublinhá-lo novamente.

Depois temos as letras que nos vão trazendo, de uma forma especial, algumas lembranças de situações que nos afectaram e afectam, como no tema "Terra Quente", que fala do problema dos incêndios que, infelizmente, com alguma regularidade, nos assolam.

A forma pouco "ortodoxa", como o Jorge aborda o seu contrabaixo, vai cativando a cada tema. De tema para tema, o instrumento vai sendo explorado das mais diferentes formas, chegando a ser quase hipnotizante, pelos sons que emite.
Da guitarra do Marco, também foram bastas as vezes que ouvimos sons pouco usuais para tal instrumento, e todo esse desafio sonoro, fez com que este seja um dos concertos qe vão ficar na memória.
Agora irei sempre seguir quase "religiosamente" todas as propostas do Jorge, pois prevejo que nunca seremos defraudados, basta dar atenção aos três álbuns que já fazem parte do seu Curriculum.
Resta-me agradecer ao Avenida Café-Concerto, por, nestes tempos loucos, em que tudo parece correr mal, ainda conseguirem oferecer-nos cultura que ajuda a carregar baterias, esquecer por uns momentos, o que anda por aí e sentir segurança plena.
Deixo também o desejo de que o público não se deixe conquistar pelo medo e venha assistir a eventos culturais.

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