quinta-feira, 19 de abril de 2012

Laia no Passos Manuel


Os Laia, para quem não conhece – mas devia! –, são uma banda que cruza as raízes da música tradicional portuguesa com um (pós) Rock cheio de garra, criando ambientes que enchem de brio o mais acanhado do portuga que já se esqueceu dos séculos magnânimes de História que precedem os dias tristes que vivemos.
Alheios ao fado que se vive “lá” fora, Alexandre Bernardo e Pedro Trigueiro delinearam a sua rota, que começou na (bela) amostra que foi “Viva Jesus e mais alguém” e que, superiormente engrandeceram neste segundo capítulo que se intitula “Sogra”. Rodearam-se de 3 magníficos executantes (Luis Custódio na guitarra portuguesa, adufe e vozes, Cipriano Mesquita na guitarra portuguesa, tambor e vozes e o Fred Ferreira na bateria) e, qual trupe numa arruada, saíram do “Quarto ao Lado” para nos relembrar qual o sangue que corre na nossas veias.
 E como partem das tradições e da ancestralidade para chegar aos dias de hoje, começaram o concerto da passada sexta-feira 30 de Março, no Auditório Passos Manuel, no Porto, com a brilhante adaptação da “Encomendação das Almas” que pediram emprestada ao Grupo de Cantares Tradicionais de S. Miguel D’Acha e que é, também, a música que nos introduz a “Sogra”. E tal como a tradição, em que durante a Quaresma, já noite cerrada, à luz de velas ou lanternas de azeite, grupos de homens encapotados e mulheres com os seus xailes pretos tradicionais pela cabeça, se reuniam no adro (e em locais específicos) da aldeia para entoar, em coro, com tom dolente e triste e cheio de angústia, cânticos em memória das benditas almas do Purgatório, os Laia envolvem-nos numa aura de alienação e misticismo tão densos que se prolongam pela noite dentro, mantendo-se bem presentes enquanto adormecia umas horas depois.
 De seguida, tocaram a sublime “Bola”, a primeira de uma tríade de temas instrumentais (“Lodo” e “Chão” foram as outras) em que Alexandre Bernardo demonstra toda a sua mestria no uso dos delays e distorções, sendo exemplarmente secundado pela secção rítmica, cujo groove ecoou de forma muito consistente por todo o Auditório. As guitarras portuguesas dão uma dimensão enorme às músicas, fazendo perfeitamente a ponte entre as partes verdadeiramente pesadas e os ambientes sonoros que os Laia procuram (e conseguem) criar.
 Claro que faz toda a diferença que se ouçam bem todos os instrumentos, algo que foi muito melhor na noite do Porto do que na anterior em Lisboa, segundo o Marcelo Camelo – que, por ser amigo dos elementos da banda, se juntou a eles neste périplo pelo Norte –, já que a minúcia com que estes temas foram desenvolvidos merece que todos os ouçam convenientemente.
Com “Arruada” fizeram a primeira incursão ao primeiro álbum (e aos adufes), uma música que termina de forma apoteótica e que abre caminho para o single de apresentação do segundo álbum, “Arraial Montado”, que, a título de curiosidade, tem um videoclip bastante sugestivo e que ocupa, aquando da escrita, o 2º lugar do top do Sapo Música.
 Com o clima de festa instalado, é com a brilhante “Abater” (a música que abre “Viva Jesus…” e que foi incluída na colectânea Novos Talentos FNAC 2009) que prossegue a viagem entre discos, com “Benjamim e Tu” e “Docente” a prolongar a travessia.
Depois, vem a homenagem a um dos grandes mestres da música portuguesa, do qual consigo imaginar a felicidade quando a banda lhe pediu permissão e lhe mostrou o que tinha em mãos. Em “Lembra-me um sonho lindo”, de Fausto Bordalo Dias, os Laia quase levam o público ao esgotamento, tal a intensidade e emotividade com que envolvem as dinâmicas da música, em que alternam uma descida que vai praticamente ao silêncio com uma cavalgada sonora que termina num crescendo tremendo e libertador, qual missão acabada de cumprir. Podes dormir descansado, Fausto!
 Para o fim, a poética e eloquente viagem pela História do nosso País, em “Sacuda-se que a manga deixa” antecede o “Sol que nunca se põe”, que mais poderia ser “O final que nunca deixa de se ouvir”, pois, ainda hoje, ao olhar para a setlist dou por mim a cantarolar o Oh-Ooooooooh-Ooh com que termina a festa. O público aclama de pé e só pára quando os cinco voltam ao palco para agradecer a calorosa ovação. Encores não é com eles e nós respeitamo-los!
Resumindo: estão (muito) bem e recomendam-se, não só por serem únicos naquilo que fazem, mas principalmente por o fazerem tão bem. Venha o próximo, que eu vou estar lá!

Texto e Fotos de Afonso Alberty

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