quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Conversa com Samuel Úria - 4ª parte

 


ACDM - Aqui há dias estava a falar com um amigo acerca do Leonard Cohen e desde que li a sua biografia, nunca mais olhei para o “Chelsea Hotel Nº1” da mesma maneira, porque foi quando eu descobri que ele identificou a Janis Joplin, como a senhora que estava a “rezar”
S - Sim, sim, a “dar cabeça”. 
ACDM- E isso chocou-me um bocado porque, não sei se leste a biografia do Cohen. 
S - Sim, sim. 
ACDM - É que eu fiquei chocadíssimo porque, li-o à cerca de uma ano, ele é tão amoroso com as suas canções e, ao mesmo tempo era um filho da mãe porque deixava a mulher, que já tinha roubado a um amigo, seis meses na Grécia, a tomar conta dos filhos e ia dar uma volta atá ao tal Chelsea Hotel ou outro ponto do mundo e fazia o que lhe apetecia. Era um sacana e depois fazia canções lindíssimas. O problema é que, depois de ler a biografia, não consigo olhar para as canções da mesma maneira, fico dividido. Às vezes é melhor não saber tanto… 
S - Não olha, o Cohen tem um ponto que é curioso, é até muito curioso para uma nova discussão que se tem feito, sobretudo, nos últimos tempos, até com o movimento Me Too que é aquela coisa do, de repente conheces a personalidade da pessoa e saber se podes separar a arte da pessoa. 
Com o Cohen, dá-se o caso de ele muitas vezes tentar redimir-se nas canções. Os pedidos de desculpa, as assumpções de culpa, os trajectos de uma renovação e de ser melhor, estão nas canções. 
Nesse sentido, tu nas canções, tens mesmo o melhor dele e tens as declarações de que ele quer ser melhor e isso por um lado, mostra que mais facilmente rejeitas as biografias que as canções, as canções são mesmo o lado melhor dele. 
ACDM - E ao fim e ao cabo, quem não tem falhas ao longo da vida
S - Claro. 
ACDM - Queres dizer alguma coisa para os teus admiradores e fãs do coração, estão aí alguns e agora há malta que te quer dar beijos e abraços e não pode
S - Hoje foi muito estranho, ter a consciência de que não podia declarar, da maneira que eu queria declarar-me, porque os concertos que dei até agora, não tenho tido a limitação de tempo que tive hoje… ACDM - Este foi o primeiro com as novas regras de tempo? 
S - Sim e de facto receber pessoas num concerto, é sempre especial, mas nestas circunstâncias em que de facto, torna-se um acto de coragem, até um acto de resistência, mesmo sabendo que as pessoas estão a tomar todas as medidas de segurança e sabem que é necessário fazê-lo e mesmo assim decidem vir apoiar as artes, lá estou eu com a presunção de chamar arte a isto que eu faço. 
ACDM - Mas sim, mas sim
S - Mas até estou a falar em termos genéricos. Mas quando eu estou em palco, há uma comoção redobrada em relação aos concertos. 
Eu já sou uma pessoa muito grata por ter público e normalmente quando incidem as luzes eu consigo distinguir amigos, pá, fico feliz da vida e com amigos que faço e a interacção.
Mas está a tornar-se especial, Apesar de ver um mar de máscaras, é especial e percebe-se que atrás das máscaras, há uma intenção redobrada das pessoas mostrarem que o que está escondido é felicidade e é apoio e é comunhão com quem está em palco e é muito bonito
ACDM - E já agora uma coisa que por acaso tenho sentido, eu não deixei de ir a concertos, só não fui quando estivemos mesmo fechados, o que sinto, mesmo auditivamente, é que os aplausos são mais fortes, não sei se sentes isso? 
S - Posso estar condicionado, por querer que isso aconteça, mas eu até quando estou - eu já fui a vários concertos – como espectador e, lá está, quando alguém está em palco e pedem para cantarem canções que eu conheço, eu até tento cantar mais alto para que a máscara não bloqueie e sinto que tenho de dar mais nos aplausos, eu no lugar do espectador tenho essa experiência, tenho um bocado a vontade que isso também aconteça comigo. Eu quase que pressinto que isso, às vezes, acontece. 
ACDM - Quase que dá a impressão que estão a bater palmas para compensar os lugares que têm de estar vazios
S - É verdade, é verdade, eu acho que as pessoas se multiplicam. É quase os soldados de terracota. 
ACDM - E no meio deste ano louco, o que é que consegues dizer disto tudo, alguma coisa de sano, no meio desta insanidade toda
S - Olha, tendo a esperança que isto não vai durar para sempre, eu acho que uma das coisas positivas, é verdade que houve coisas muito negativas, e sobretudo para a minha classe, para as pessoas que trabalham com esta classe, coisas muito negativas, a falta de trabalho, a redução de público, etc. 
Mas por outro lado, enquanto público, enquanto pessoa que também avista o público eu acho que se está a criar uma “fome” por aquilo que estivemos privados e havendo uma recuperação económica, havendo um restabelecimento da normalidade, o restabelecimento de algum contacto físico e de proximidade, eu acho que temos, não sei, isto é wishful thinking, mas eu acho que em 2021, as pessoas vão “dar o litro” para poder recuperar aquilo que não puderam fazer e estou mesmo a contar com isso. 
ACDM - E, só para acabar, eu tenho-me apercebido, não sei se tu também, os disco que têm saído este ano é quase “cada tiro, cada melro”, são todos bons. 
S - Eu estou muito contente com os meus colegas que lançaram discos este ano, tenho ouvido muitos discos de malta portuguesa, também. 
ACDM - Assim de cabeça, temos o teu, temos o dos Clã, o do Sambado, o de Lobo Mau… 
S - Fachada, Mazgani, 
ACDM - O de Mazgani, saiu antes do covid, parece que foi há bué de tempo, mas é deste ano
S - O Benjamim, Noiserv, são discos que tenho ouvido com muito gosto. 
ACDM - No meio deste ano todo, parece um “Ano Vintage”, o single do Jónatas, está uma coisa brutal
S - É verdade, vem aí um grande disco que vai sair já em 2021.
ACDM - Resta-me agradecer-te, que fiques com A Certeza da Música no coração e obrigado
S- Sim, já sabes que sim. 
ACDM - E agora vou desligar, para falarmos do Benfica... 
(Risos)

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