Espero que gostem tanto de ler, como eu gostei de a ter.
ACDM - Como foi fazer estas “Canções do pós-guerra” e de que guerra estamos a falar?
S - Olha, foi um despercebimento completo em relação a 2020, porque as canções foram escritas em 2019, e curiosamente têm-me perguntado se eu me sinto com uma veia profética, por ter escrito estas canções que são, não são todas, mas há algumas canções que reflectem algum desespero, algumas canções um bocadinho mais soturnas e perguntam-me se de facto foi alguma previsão, se foi uma premonição, mas não, pelo contrário, se eu soubesse que íamos ter um ano tão desesperado e triste e negro, teria escrito um disco que contrariasse isso.
Mas não, acabou por ser um disco que vai um bocado ao sabor do tempo e será marcado por este ano. Nunca me iria esquecer deste ano, mas felizmente ou infelizmente, tenho algumas canções que o acompanham e é a minha banda sonora de concertos, são canções que estão no seu habitat natural que é este 2020 tão estranho.
ACDM - Então isso quer dizer que em 2021 teremos outro disco para “animar a malta”, não?
S - Olha, poderia ser, embora, lá está, como também tem havido menos concertos por precaução, por redução do número de pessoas em sala, por cancelamentos porque aos fins de semana as pessoas não podem circular e etc, eu ainda não mostrei suficientemente este disco, o que quer dizer que em 2021, se Deus quiser, se houver oportunidade, vou ainda andar a mostrá-lo.
ACDM - Pois, já o anterior andaste vários anos a mostrá-lo.
S - Pois, é verdade, curiosamente o outro disco que saiu em 2016, andei durante quatro anos a tocá-lo e continuei a conseguir vender esse disco, ainda, é verdade que também houve um E.P. pelo meio que também ajudou a revitalizar os concertos, mas de facto havia pessoas novas a querer um disco “velho” e isso aumentou a longevidade do “Carga de Ombro”.
ACDM - Agora fizeste-me lembrar uma coisa gira, que é esta noção de “disco velho”, porque de repente os discos começaram a ser, para já começaram a ser quase “peças inúteis” que as pessoas não compravam, mas o que é facto é que tu nos concertos, consegues vender discos, tens montes de pessoas sempre à espera para os comprar (e autografar, acrescento agora) e não se preocupam com a idade dos discos, o que não é muito normal, isto quer dizer que as tuas canções envelhecem bem?
S - Eu acho que isso pode ter a ver com o facto de eu não ser propriamente um fenómeno POP e então também tenho a noção de que quem vai aos concertos, são pessoas que de alguma maneira têm uma ligação musical que não é aquela mais imediata, e não estou de alguma maneira a menosprezar quem tem essa relação com a música mais imediata, mais POP, até mais descartável, nada contra, sou muito fã de música descartável.
Mas tenho um bocado a noção que, provavelmente, o meu público não será desse género e então, havendo se calhar esses laivos de melomania, são pessoas que gostam de comprar e gostam de ter o objecto e sobretudo, agora com o vinil, ainda é um objecto que se tornou mais apetecível, apesar de ser mais caro que o CD, mas tem a dimensão e a “cerimoniosidade” que os CD ou que a música em formato digital, não tem.
Nesse sentido acho que se justifica o facto de haver bastantes vendas de discos nos concertos.
ACDM - No “Canções do Pós-Guerra”, cimentaste a tua relação com o Miguel Ferreira, mais neste disco ainda, que nos anteriores.
Qual é a parte que é tua e qual é a parte que é dele ou está tudo misturado neste disco?
S - Embora as canções tenham todas a minha autoria, há já um processo de bastante confiança, é verdade que começou no “Carga de Ombro”, embora este tivesse sido uma exploração não só das canções, mas também das próprias qualidades do Miguel, enquanto produtor, e o Miguel, enquanto produtor, a exploração das minhas qualidades enquanto músico.
Mas foi uma relação que primeiro se cimentou no E.P. que nós gravámos, o “Marcha Atroz”, aí sim, houve um processo bastante partilhado.
Eu chegava com as canções com princípio e fim, com uma estrutura, mas com o Miguel, ouvia as canções e então partilhávamos um bocado a dimensão, o onde queríamos chegar e aquilo que era acrescentado ao esqueleto da voz e guitarra – que é como eu faço as canções, normalmente, às vezes faço nos teclados, mas normalmente voz e guitarra – mas ouvia aquilo com o Miguel, pensávamos até um bocadinho em torno das letras e o que é que se poderia acrescentar ali, que “carga” musical ou que carga instrumental poderia levar que não destoasse do teor do tema ou da intensão ou da intensividade da música e, nesse sentido, o Miguel tornou-se mesmo num parceiro de exploração da intensidade das canções que é uma coisa que eu, tenho amigos em quem confio isso, mas nessa relação de produtor que é uma relação profissional, estou bastante surpreendido porque de facto, de repente, o profissional está cada vez mais “oleado”, conforme a amizade também está “oleada”, a maneira como nós nos conhecemos pessoalmente, influencia a maneira como também a exploração musical se faz a dois.
ACDM - Essa amizade já se notava na tour do E.P. em que andaram os dois, não totalmente (também andou com o Silas Ferreira), mas em parte, em que andavam os dois e essa tour também ajudou a cimentar a relação e depois a fazer esses produtos finais fantásticos, não é?
S - É verdade, esses concertos em duo foram mesmo, para já passámos muito tempo juntos e depois, lá está, é verdade porque eu acho que quando partimos para esses concertos, eram muito notórios os nossos backgrounds diferentes, em termos até de aprendizagem, de mestria dos instrumentos.
O Miguel é uma pessoa muito mais metódica do que eu que não aprendi música, o Miguel aprendeu, está numa banda que em termos técnicos é mais exigente do que aquilo que a exigência que eu devoto às minhas canções, em termos técnicos, de destreza instrumental, etc.
Mas de repente nós apercebemo-nos que tínhamos mais em comum do que coisa que nos afastavam e essa descoberta foi muito interessante e acho que ajudou-me a elevar como músico e enquanto escritor de canções e acho que o Miguel, enquanto produtor, também se apercebeu de um universo novo que podia explorar e onde também podia desenvolver-se.
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