23 de Novembro ficará sempre marcado como o dia em que o Festival
Sons em Trânsito regressou ao local que o viu nascer. O regresso saúda-se e o
que se espera é que continue por muitos anos, aperfeiçoando-se sempre de edição
em edição. Foram quatro dias que nos permitiram viajar por um mundo de boas músicas
e cheios de diversidade.
Todas as propostas eram aliciantes, mas o preço de bilhete
diário, um pouco desajustado da realidade Aveirense, terá inibido uma maior
adesão do público que foi obrigado a eleger um dia apenas, para sentir o Sons
em Trânsito.
(Reportagem Fotográfica completa no facebook d'A Certeza da Música.)
No primeiro dia tivemos Toty Sa’Med, um novo valor da música
angolana, que pega em clássicos Sembas e lhes dá um “twist” mais contemporâneo.
Ingombota é o nome da zona de Luanda de onde vem, mas é também o nome do seu
primeiro EP, lançado recentemente em formato físico.
A timidez inicial que, segundo fiquei a saber, é inata, foi
sendo derrotada em palco e, ao terceiro tema, já Toty dominava a audiência.
Tocou clássicos de Filipe Mukenga, “O Namoro” de Viriato Cruz foi tocado na versão
de Rui Mingas e até visitou o Bonga dos anos 70.
Com um segundo EP, apontado para sair no início do próximo
ano, Toty Sa’Med foi uma bela surpresa que abriu o SET da melhor forma.
Continuando por África, a bela Mayra Andrade, foi quem se
seguiu. Cantou em Crioulo, Francês, Inglês e Português e encantou com a sua
presença cada vez mais sensual. Promoveu sempre a interactividade com o público
e até deu dicas para como manter os pés quentes em dias frios, como aquele dia tinha
sido. Tudo, menos frio, foi o que sentiu com as suas canções, cada vez mais
cosmopolitas, o que poderá não ser tão atractivo como são as suas canções mais
antigas. Este caminho mais jazzístico poderá dar-lhe notoriedade internacional,
mas deixa saudades daquele toque mais tradicional que nos encantou quando a
conhecemos.
Vicente Amigo, abriu o segundo dia com a sua genialidade.
Flamenco tocado com esta maestria, é daquelas coisas que ficam eternamente na
memória de quem vê. Acompanhado por um percussionista, um guitarra ritmo e um
cantor, vários foram os momentos que nos fizeram suster a respiração e viajar
mentalmente pela sua Andaluzia. O público, claro, ficou completamente rendido.
De seguida veio Céu que nos trouxe Tropix, o seu mais
recente álbum e outras coisas mais. A sua música é uma espécie de Electro-Indie-Pop
que, inicialmente se estranha, mas rapidamente se entranha. A sensualidade
transborda quer por força das canções,
muito versadas no amor em e todas as suas vertentes, o que acaba, o que começa
e o que se mantém, quer por força da sua voz e da sua presença em palco que não
deixa ninguém indiferente.
O terceiro dia terá sido, por ventura, o melhor dia de
todos. A abrir a enorme Aline Frazão (outro novo talento da música angolana
mais recente) que começou, a capela, com “Jorge da Capadócia” e agarrou de imediato
o público. Comemorou a independência de Angola com “Sol de Novembro”, passou
por “Louca”, tema que conta com a participação de Capicua e, a certa altura, declarou
que “todos os concertos são especiais, mas este é mais especial pois é o último
do ano”.
Cantou o “Poema em Sol Poente” que fala de Luanda e tocou-o
com quissange, instrumento que conhecemos como Calimba que é “uma espécie de harpa
africana”.
Além de nos encantar com a sua voz doce, mostrou que está
atenta ao que a rodeia, com a maior honestidade que eu já vi em palco. Antes de
cantar “O Namoro” de Viriato Teles, referiu que já sabia que o Toty a tinha
tocado, mas que ela iria tocá-la na versão do Fausto Bordalo Dias. A falar da
actuação de Elza Soares que se iria seguir, só nos disse que “Estava feliz por
a ir ver pela segunda vez e que a nossa vida ia mudar”. Tocou o tema “Tanto” e
voltou para um encore em que cantou “Los dos Gallos”, um poema lindíssimo que
pela sua voz me fez quase chegar às lágrimas.
Depois desta maravilha, seguiu-se a majestade Elza Soares, a
Aline tinha avisado e, na verdade, a nossa vida mudou mesmo. O show “A Mulher
do Fim do Mundo” deveria ter o subtítulo “cantado por uma mulher do Outro
Mundo!”.
Elza, tratou logo de nos classificar como duplamente Fixes
ou, nas suas palavras, “Vocês são Fixes-Fixes!” e logo, se dúvidas houvesse, ficou com todo o público
na mão. Este é um espectáculo muito bem encenado, mas ainda melhor musicado.
São músicos de excelência a trazerem Elza Soares não para o
presente, mas sim para o futuro. Algumas canções são biográficas, outras falam
de outras experiências. Em pleno Dia Internacional Pela Eliminação da Violência
Contra as Mulheres, deixou o apelo a todas as mulheres presentes para que não
sofram caladas e denunciem. O disco foi tocado na íntegra e ainda tivemos direito
a encore.
Foi um espectáculo que vai perdurar na memória de todos os
que tiveram a sorte de assistir, e provavelmente, será este que mais marcou o
SET 2016.
Como era sexta-feira ainda houve animação extra com o DJ
RIOT a fazer abanar os “sobreviventes do Fim do Mundo” que foram até ao Salão
Nobre do Teatro Aveirense.
Para o último dia veio Ed Motta que deu mais primazia aos
seus dois últimos discos, numa toada bem mais jazzística de canções que vão
beber inspiração à banda desenhada, às séries de TV da juventude e até à “água
mineral” de Amsterdão. Acompanhado por um Alemão (Martin Klein, pianista e
director musical), Francês (Laurent, no Baixo), um Holandês (Johan, na bateria)
e um Finlandês ( Makila na guitarra) o virtuosismo musical foi uma
constante.
Declarou-se “Muito feliz por estar pela primeira vez em
Aveiro, até porque a sua primeira manager (que o acompanhou nos primeiros dez
anos de carreira) era de cá e falava muito da cidade”. Mostrou o quanto
detestava ser sucinto e como gostava de boa comida e deu um concerto fora de
série que não desapontou os fãs.
Depois vieram Amadou & Mariam que muito bem acompanhados
por um grupo de excelentes músicos, quase mandaram a sala abaixo. Festa até
mais não, puseram toda a gente de pé e a dançar como quase se “não houvesse
amanhã”. Este foi, sem dúvida o concerto mais animado de todos e no final os
sorrisos eram gerais.
Os mais resistentes, fora até o Salão Nobre para ver os
Fogo-Fogo, se alguém estava à espera de descansar, logo tirou daí a ideia, pois
o apelo da dança foi irresistível. Ninguém conseguiu ficar parado e esta banda
foi, sem dúvida, a melhor escolha para fechar o SET 2016 em beleza.
Agora resta desejar que venha a edição de 2017, de
preferência com as melhorias desejadas.
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