quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Guimarães Jazz / Porta-Jazz #4 - Report e Entrevista

Guimarães Jazz - Porta Jazz
12 de Novembro de 2017
Texto, Entrevista e Fotos de Miguel Estima 


No passado Domingo, 12 de Novembro, o Guimarães jazz apresentou na Plataforma das Artes e Criatividade/Centro Internacional de Arte José de Guimarães o concerto da residência dos músicos do Projecto Cotovelo, a convite da Porta-Jazz. Este ano o grupo era formado por Nuno Trocado na guitarra, Tom Ward nos saxofones, flauta e clarinete baixo, Sérgio Tavares no contrabaixo, Acácio Salero na bateria.
Num híbrido entre o jazz e encenação com o uso da palavra como de uma leitura encenada, veio a apresentação do “Cotovelo”.
Estivemos à conversa com o músico Nuno Trocado para sabermos um pouco mais.




Na sinopse lê-se "O assunto central da residência é a exploração dos caminhos do som e da palavra, no confronto entre contribuições pré-definidas e improvisadas, com vista à conjugação, colectiva e coerente, das várias propostas individuais", como foi misturar a música e a palavra?

 No texto há um aspecto nuclear: o ciúme. O caso passa-se no séc. XIX. Há três escravos trazidos do Brasil para Portugal; e há uma mulher e um homem, criados no palácio real. Há emoções humanas muito fortes: violência, euforia, delírio, alegria, paranóia, inveja, opressão. E há diferentes universos narrativos: há uma história que está a ser contada - o relato de um caso, e há alguém que por algum motivo se está a recordar desses acontecimentos, que se reflectem na sua situação actual. Assim, pode-se dizer que é um texto muito exuberante em termos de variedade de ambientes. Essencialmente, o que procurámos fazer foi transpor para a música todos esses ambientes, seguir e salientar o arco narrativo, ajudar a contar a história.
Como o texto é fantástico e me parece que está escrito especialmente para os mundos musicais que habitamos, tratou-se de uma tarefa muito fácil e natural.

Sentes que é um caminho pouco explorado a mistura do jazz com dramaturgia e uso de texto?

Claramente, a música e a palavra sempre se interligaram, talvez mesmo desde que há música e desde que há palavra; e a música de tudo desligada, a música absoluta, constitui uma ideia com uma rica mas controversa história. Também na tradição a que vulgarmente chamamos "jazz", o texto é omnipresente, pense-se desde logo nas canções, nos "standards", na relação com o cinema (em especial Hollywood) e com o teatro musical (em especial Broadway), pense-se em Mingus, em Sun Ra, no salmo de "A Love Supreme", etc.
No que diz especial respeito à dramaturgia e ao teatro, a conjugação com a música também possui uma abundante história. De entre todas as múltiplas formas em que essa relação se vem desenvolvendo, acho que conseguimos encontrar uma proposta original, sem bem que a originalidade de per si nunca foi o objectivo.
Em particular, a Catarina construiu para ela um lugar em que se confunde o trabalho de actriz com o de membro tout court da banda, e conseguimos assim apresentar um espectáculo integrado, e não de sobreposição de duas áreas artísticas diferentes.

Como é estar em residência durante uma semana no mesmo espaço com músicos e criadores?

 Acho que a grande vantagem da residência advém desde logo de um aspecto mais mundano. Uma das grandes dificuldades práticas que enfrenta quem pretende desenvolver um projecto colectivo e apresentá-lo ao público é a conjugação das disponibilidades das pessoas envolvidas.
A maioria dos músicos com quem habitualmente colaboro, sobrepõe uma actividade artística intensa, repartida em múltiplos contextos, com uma actividade lectiva também intensa, ou com outro trabalho, indispensáveis para uma sobrevivência minimamente condigna.
Assim, só com grande sacrifício pessoal é possível dedicar a um projecto as horas de preparação necessárias para o levar a bom porto. Normal é o baterista que só pode ensaiar na segunda ou quarta-feira a começar às 23h, a acabar cedo porque no dia a seguir dá aulas às 8h, mas o contrabaixista está fora na segunda e tem concerto na quarta, o que lhe dava mesmo jeito era marcar-se para domingo de manhã...
Isto verifica-se com os ensaios, mas também com a disponibilidade individual para estudar e preparar a música em causa. Com cachets habitualmente insignificantes, é impossível exigir-se uma maior dedicação, que sempre redundará num prejuízo para outras actividades mais adequadamente remuneradas.

Este estado de coisas coloca um limite prático ao tipo de projectos que um músico pode ambicionar produzir… 
Por outro lado, o "som de banda" é algo que normalmente demora a obter-se e a afinar-se, numa época em que muitas vezes os concertos são esporádicos. Neste contexto, constitui um verdadeiro luxo poder trabalhar em residência como sucedeu agora, em que se reuniram as condições necessárias para contarmos mutuamente com a atenção exclusiva e intensiva de todos.
Houve uma parte do trabalho preparatório que teve lugar nos meses antes, em que discuti ideias com o Jorge e com a Catarina, compus uns primeiros fragmentos, o Jorge foi escrevendo boa parte do texto, e chegamos a juntar-nos com os outros músicos em duas ou três sessões para experimentarmos ideias. Mas partimos do primeiro dia da residência, essencialmente, num estado de página branca.
O espectáculo foi criado por todos, em colaboração, durante a semana em Guimarães. Se quanto à valia artística do resultado não me compete pronunciar, pelo menos acho que foi um sucesso a forma como conseguimos trabalhar em grupo e alcançarmos soluções para o desafio da interdisciplinaridade, desafio esse que era o tema central da residência.
Existem mais ideias para continuar a dar vida a este projecto?


Sim! "Cotovelo" não é um espectáculo para ficar por aqui, queremos apresentá-lo noutros locais, continuando a desenvolver o projecto.

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