quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Filho da Mãe - Cabeça

Estou a ouvir e ao mesmo tempo a tentar encontrar palavras para descrever o novo disco de Filho da Mãe - Cabeça e ainda não encontrei melhor que o texto que vem assinado por Afonso Cruz (escritor, músico e produtor de cerveja). Como tal, nada melhor que transcrever para aqui as suas exactas palavras:

“Lembro-me de, em miúdo, olhar para o meu tio-avô a tocar guitarra. As unhas encurvadas e amarelas dos cigarros, o cabelo branco e liso, colado à cabeça. Não havia muitas perguntas, o mundo era simples. Na verdade, aquilo que eu via não era um homem encanecido, dobrado sobre si mesmo, a dedilhar, era, isso sim, algo mais evidente, como haveria de perceber mais tarde: a guitarra e o guitarrista eram a mesma música. Mas o nosso crescimento passa pelo arrefecimento do mundo, pela necessidade de o dissecar, de o enfiar no microscópio e em equações de terceiro grau. O mundo começa a ganhar linhas rectas, torna-se geométrico, onde até as lágrimas são uma espécie de matemática. Pitágoras dizia, e os seus seguidores, como aquele de Crotona, repetiam, que a música e a matemática são exactamente a mesma coisa. Uma oitava corresponde precisamente a 1/2 da corda da viola; a terceira nota natural é 1/3 da corda; e a quinta natural é 3/4. E isto é apenas um pequeno exemplo de como as músicas que ouvimos são feitas de matemática, tal como as pedras são feitas de música e os nossos sentimentos são rigorosamente geométricos. É assim que se compreende a música utilizando a razão. Mas, lamentavelmente, não se ouve nada, não se sente nada. Para isso é preciso fazê-lo com o corpo, que, sendo uma espécie de tabuada, não deixa de ser feito de terra e de entender essa linguagem que se escreve com uma pá. Por vezes é preciso um filho da mãe capaz de nos colocar outra vez naquele lugar da infância, naquele espaço antigo, onde a guitarra e o guitarrista eram a mesma música. Melancólico, o filho da mãe, consegue conjugar memórias, partindo de uma base que se repete e que se vai tornando cada vez mais complexa, como os pássaros fazem quando cantam. Os ritmos cruzam-se, para cima e para baixo, como barcos a vencer tempestades, fazendo com que tudo se confunda, os ossos com a pele, o interior com o exterior, a sede com o vinho. Não é só tocar, é escavar os sons e trazê-los para fora da guitarra. E a música, com o seu poder catártico, faz-nos acordar. Não há arte nenhuma capaz de nos fazer mover, mexer e dançar como faz a música. Para que, no dia do Juízo, os mortos se levantem, serão necessárias trombetas. Ou, sendo menos ortodoxo, guitarras. Um quadro do Rembrandt não atinge os ossos, chega a muitos lugares, mas não faz dançar, não faz bater o pé. Se há alguma coisa capaz de nos fazer levantar, dançar, exultar, de um momento para o outro, é a música. Abre caminho pelas nossas veias, pelos músculos, é feita de carne e fala essa linguagem. Todo o universo se move por causa da música das esferas, por causa dos acordes que Deus tocou no Início, dobrado sobre si mesmo, a dedilhar uma guitarra. Tudo se move por causa de um filho da mãe. 
Afonso Cruz


Eu sou mais dado às canções, normalmente preciso de uma letra acompanhada por música, mas no caso de Filho da Mãe, chego à conclusão que uma letra não faz falta quando a música consegue emocionar-me desta forma, é caso para dizer "Não te Mexas" (um dos temas do disco) e deixa-te ficar a ouvir.

O concerto de lançamento é já amanhã no Teatro do Bairro em Lisboa e a compra do CD toma a forma de bilhete.
Depois, outros concertos estão já agendados, a saber:

22 de Novembro em Castro Verde
23 no Festival Ecos do Sado
24 em Paris com Glenn Jones
28 no “Le Guess Who” em Utrecht, Holanda
29 no Centro Gallego em Barcelona
30 em Zaragoza 
1 de Dezembro em Vic

Resta-me apenas lembrar que o disco é uma edição de autor, logo, tem mesmo de se comprar!
Mas, para aqueles que não podem comprar tudo o que gostam, podem sempre ouvi-lo em:
http://filhodamae.bandcamp.com/
Também podem ficar a saber mais sobre Filho da Mãe na sua página de facebook:
https://www.facebook.com/umfilhodamae

Deixo aqui um video que mostra um pouco da gravação feita quase totalmente em Montemor-o-Novo no Espaço do Tempo, o outro local onde foi gravado foi em Terra Feita (que acabou por dar nome ao tema que abre o disco) no Gerês.



A minha classificação para este disco é de Muito Bom!

Sem comentários: