segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Rui Ferreira - Lux Records e etc - Entrevista

Desde que comecei com este blog que sempre foi minha vontade, apresentar mais pontos de vista que não o meu, quer na forma de report's feitos por pessoas que fui conhecendo e desafiando a escrever, quer por pequenas entrevistas que fiz, até agora todas, via mail.
A entrevista que publico hoje, levou o tempo que tinha de levar e hoje está actualíssima, apresento-vos Rui Ferreira, Locutor de rádio e não só, Manager de bandas e não só, Editor de discos e não só. Este rapaz é daqueles remadores que nos trata do espírito, mas se for preciso também da saúde, dado que também é enfermeiro.
Aqui fica a entrevista que nos dá o ponto de vista de alguém que já há muitos anos está dentro do meio musical.
Espero que gostem.



Rui, desde quando é que estás ligado à música e como?
Comecei a interessar-me a sério por música aos 13-14 anos. Em 1985, quando me ofereceram um rádio/gravador com FM e ouvi pela 1ª vez o “Som da Frente” do António Sérgio, tudo mudou.
Foi nesse ano que comprei o meu primeiro disco, o álbum “Steve McQueen” dos Prefab Sprout (voltei a ouvi-lo recentemente e é um belo conjunto de grandes canções pop, o mais inspirado disco desse mago da canção pop - Paddy McAloon). No ano seguinte já tinha um programa na Nova Rádio de Coimbra, uma rádio pirata que acabaria pouco tempo depois com o processo de legalização de frequências radiofónicas. Depois de ter terminado o Curso de Enfermagem e adquirido entretanto uma apreciável colecção de discos, decidi voltar a fazer rádio e inscrevi-me no Curso de Programação da Rádio Universidade de Coimbra (RUC). Fiz o curso com o Rui Portulez (hoje Director de Programas da Rádio Oxigénio) e fui para o ar pela 1ª vez com a rubrica “15 Minutos de Fama” no saudoso “Rock Chinês” (Rui Portulez, Miguel Guedes, Paulo Alves, Paulo Camilo, etc).
O primeiro programa realizado por mim chamava-se “Os Últimos Dias do Vinil” e estreou-se no éter em Outubro de 1994. A partir daí a RUC passou a ser, durante vários anos, a minha segunda casa.

O que é que te fez assumir uma ligação mais profissional, já que és editor, manager e ainda fazes rádio?
Estava na RUC há pouco tempo e surgiu a hipótese de realizar o meu serviço cívico de Objector de Consciência na rádio. Já trabalhava como enfermeiro nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), no Serviço de Cirurgia III Homens, e durante sete meses acumulei 70 horas semanais de trabalho, repartidas entre a RUC e os HUC.
Fiz quase tudo na RUC - inventário total da discoteca da rádio, catalogação de discos, assegurar a emissão sempre que faltava um locutor, colaboração no Departamento de Marketing que incluiu cobranças a maus pagadores, serviço de secretaria, telefonista, enfim, tudo o que fosse preciso fazer.
Estávamos em 1995 e a RUC começava a preparar a comemoração do seu 10º Aniversário que aconteceria no ano seguinte. Entre as iniciativas agendadas incluía-se a edição de um CD comemorativo desses 10 anos: “Sempre no Ar”. Simultaneamente, fui convidado pelo António Cunha (na altura o principal responsável da editora de dança Kaos Records) para fazer parte de uma nova etiqueta virada para a música alternativa da cidade – a Lux Records.
Na altura, ele já tinha em mãos o disco de estreia do duo António Olaio & João Taborda (LoudCloud) e o 2º dos Tédio Boys (Outer Space Shit); eu acrescentei a compilação da RUC.
No final de 1995, já era um dos responsáveis pelo “1º Festival Sempre no Ar “, organizado pela RUC. Em Dezembro desse ano integrei a lista vencedora para a nova Administração da RUC, e em Janeiro de 1996 iniciei funções como Tesoureiro. Em ano de comemoração de 10 anos de actividade, a RUC empreendeu várias iniciativas, e sempre que se tratava de música eu estava na linha da frente.
O concerto comemorativo do 10º Aniversário da RUC que se realizou em Março, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), foi algo que muito nos orgulhou – John Zorn na companhia de Mike Patton e Ikue Mori.
Depois conheci os Belle Chase Hotel, fiquei impressionado com as 5 canções da 1ª maquete deles. Foram logo convidados para gravar para a Lux Records.
Em 1998, era então o Presidente da Administração da RUC (fui presidente da RUC em 1997, 1998 e 2000), estávamos a preparar o concerto do 12º aniversário no TAGV e como ainda não tínhamos qualquer artista, sugeri os Belle Chase Hotel. A banda era totalmente desconhecida e precisávamos de uma imagem forte. Na altura, o Centro de Estudos de Fotografia da AAC funcionava paredes meias com a RUC, e recebemos a ajuda do Pedro Medeiros para a escolha da fotografia a usar. O Pedro Arinto (RUC) foi o responsável pelo grafismo do cartaz, e no dia 2 de Abril de 1998 a lotação do TAGV esgotou para assistir ao concerto dos Belle Chase Hotel.
De repente, eu era o manager dos Belle Chase Hotel. Em Agosto desse ano, os Belle Chase Hotel estavam no palco principal do Festival Paredes de Coura e em Novembro tinham o primeiro disco editado pela Valentim de Carvalho.

 O que preferes: rádio, editora, management ou enfermagem? 
Preferia estar em casa a ouvir discos, e sempre que a oportunidade surgisse, produzir álbuns de boas bandas.

Como consegues coordenar todas essas ocupações?
Tirando algumas horas ao sono.

Com que bandas trabalhaste (management) ao longo dos anos?
Belle Chase Hotel, Tédio Boys, Wraygunn, Legendary Tigerman, d3o, Sean Riley & The Slowriders, Ruby Ann & The Boppin’ Boozers, António Olaio & João Taborda, Bodhi, X-Wife, Vicious Five, Born a Lion, Allstar Project, Madame Godard e Tiguana Bibles.

Tens alguma preferida?

Belle Chase Hotel e Sean Riley & The Slowriders foram responsáveis pelos melhores discos em que estive envolvido, mas a minha banda preferida, e acho que sempre foi público, são os d3o.

Como é lidar com tanta gente e com sensibilidades e egos tão diferentes?
Trabalhar com artistas é sempre complicado, gerir carreiras e expectativas de gente talentosa é uma tarefa penosa, por isso é preciso gostar muito do que se faz e ter alguma capacidade de encaixe.

Existe alguma banda nova ou antiga com quem gostasses de trabalhar? 
Bob Dylan, Sonic Youth e…Blind Zero.

Neste anos em que há tantas edições, mas com vendas baixas, continua a valer a pena editar discos?

Vale sempre a pena registar a arte em formato físico. Os discos (vinil ou CD) são registos históricos para a posteridade, da obra produzida por determinado grupo de artistas. E incluo não só os músicos, mas também os produtores, fotógrafos e artistas gráficos envolvidos num nascimento de um disco.

Nos dias de hoje, e com a escalada da pirataria as editoras ainda sobrevivem. Como é que consegues, como pequeno editor, manter a sobrevivência?
 Sobrevivo porque não estou dependente da venda dos discos para viver. O facto de ter uma profissão estável e não relacionada com a música confere-me a independência desejada. Além disso, tenho tido o privilégio de trabalhar com gente muito talentosa e determinada e isso é o mais importante para acreditarmos naquilo que fazemos.

Consideras os preços dos discos como um fomentador de “pirataria”?
 Não, de forma alguma. No início dos anos 90 (no auge do CD), os CD’s custavam em média 3500 escudos (17,50 €) – vinte anos depois, apesar da inflação associada a duas décadas, os CD’s novos chegam ao mercado em média a um preço inferior ao de então. Desafio-te a comparares o preço de outros bens em 1990 e compará-los com os actuais (livros, gasóleo, automóveis, arroz, pão, etc). O que fomenta a pirataria é a facilidade com que se copia um disco e a impunidade a ela associada.

Vale a pena apostar na música feita por portugueses?
Vale a pena apostar na música de qualidade feita por gente com talento.

Em português ou em inglês?
Quando o produto final é de qualidade pouco importa a língua em que se canta. Na área musical em que me movo (pop/rock) faz mais sentido para mim que seja o inglês a língua usada. O pop/rock tem raízes anglo-saxónicas. Se editasse discos só de fado tenho a certeza que não me fazias essa pergunta.

É possível internacionalizar projectos portugueses?
Basta a oportunidade, o investimento financeiro e que a banda esteja disposta a isso.

Projectos para o futuro?
No dia 2 de Setembro estará nas lojas o novo álbum dos d3o - “Love Binder” (Lux Records/LeveMusic) e espero uma longa digressão de concertos.
Ainda em Setembro será também colocado no mercado o DVD/CD “Filhos do Tédio” (Lux Records/Sony Music) dos Tédio Boys.
Está também a ser preparado um livro/disco sobre a Lux Records.

Para terminar queria pôr-te uma questão que me anda a “martelar” na cabeça, Que raio de produtos é que colocam água da rede de Coimbra, para esta cidade fornecer tanto Rock’n’Roll a este País?
Acho que não é da água mas do éter, este pessoal ouviu muito a RUC.

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