Há dias, após partilhar um tema de um álbum ao vivo da Lhasa, que eu não sabia que existia, surgiu uma conversa no facebook que me lembrou o desgosto de nunca a ter visto ao vivo. O Filipe contou-me que a tinha visto no Teatro Aveirense, é claro que não podia deixar perder a oportunidade e, de imediato, o desafiei para que fizesse um texto, a contar como foi.
Já sabia da sua qualidade de escritor, mas, ao receber ontem o seu texto, nunca pensei que me viesse a comover, como creio que quem o ler, também ficará.
Sem mais delongas, fiquem aqui com o que ele escreveu:
Lhasa de Sela
Por Filipe Lascasas
Vivemos na era mais rápida de sempre, dos
transportes ao consumo, dos sentimentos aos valores. E agora mesmo, há “scroll
down’s” por fazer, outros blogs a visitar, notícias (falsas?) por comentar...
Por isso, aviso quem gosta de finais felizes
ou de “chegar rápido ao destino” que esta história não é para vós: é lenta e acaba mal; a “Artista principal” morre no fim.
Tenham uma boa noite e sejam felizes (rápido).
Quanto
nós - os mais lentos (por
sorte ou teimosia) - dir-vos-ei que a minha história com Lhasa é uma história de amor com alguém que nasceu (e
morreu) na Era errada.
Tive a oportunidade de conhecer Lhasa de Sela
a 9 de Julho de 2004 no Teatro Aveirense.
À semelhança do ilustre autor deste
Blog, nasci melómano mas, contrariamente a
ele, mantive-me são. Evitei “doenças” como a da sua frenética demanda arqueológica ou futurista
por tudo o que pode ser Arte em forma de música. Em vez de enólogo musical,
mantive-me alguém que sabe apenas apreciar um bom vinho quando o prova.
Foi uma outra doença que apanhei que me levou
a conhecer Lhasa de Sela... Precisava encher páginas de um jornal da cidade e
caiu-me no estirador um convite para o concerto da banda desta senhora.
As perguntas que lhe fiz ficaram perdidas num
tempo em que não havia “arquivos digitais” e o papel ocupava muito espaço em
prateleiras.
Ainda bem.
À semelhança de muitas fotografias não tiradas
no “nosso tempo” (por não existirem smartphones), essas perguntas e a minha (falta de)
preparação para a entrevista apenas tornariam memórias mágicas numa constatação
óbvia do meu amadorismo.
No entanto, nessas memórias (mágicas ou não)
lembro-me que estava inspirado e ela havia sido a Musa da minha inspiração. Lembro-me
de um concerto mágico quase todo feito de sombras no palco e jogos de luz
pensados ao milímetro, ou, então, programados apenas pela inspiração de um Génio.
Lembro-me da voz doce, penetrante e omnipresente da Lhasa. Lembro-me de como, música
após música, ela me
baralhava sobre a sua origem - alternando entre musicas em diferentes idiomas e
outras com vários em simultâneo.
Só depois da entrevista publicada, fiz o meu trabalho-de-casa...
A sua ascendência era de um lado mexicana e de outro
americano-judeu-libanesa. Filha de um professor não convencional (que percorria
os EUA e o México, difundindo o conhecimento) e de uma fotógrafa. Assim passou
sua infância, de forma nómada, junto com seus pais e suas três irmãs.
Sua obra musical mescla tradição mexicana, klezmer e rock e é cantada em três idiomas : espanhol, francês e inglês.”
Mas já era tarde. Ela estava já num avião e
eu tinha de fechar a redação.
Só aí a compreendi e o que era isso de ser um “Cidadão do mundo”: A clarividência completa
de que somos (mesmo) uma só Especie, com Bons e Maus, Criminosos e Justos,
Corruptos e Honestos... Todos à mistura, todos Iguais.
Só depois compreendi que a Incompreensão não a incomodava... Ela
sabia (e isso perguntei-lhe) que a sua música “nos ficava” - perturbando-nos nisso mesmo; dispensando qualquer
escrutínio.
Como
não? Afinal escrevia e
cantava no único idioma comum da nossa espécie: o do Amor.
Bebemos depois um copo de vinho Alentejano
num sítio junto à Ria que se chamou “Botirão”. Falei mais do
que ouvi, partilhamos sonhos e despedi-me dela (sem saber que era para sempre) à porta do hotel “As Américas”.
Recebi um e-mail da Lhasa em 2008, a
questionar (essencialmente) se eu já tinha conseguido cantar as minhas músicas
ao Mundo.
Na resposta à minha, escreveu apenas:
“Uma coisa é certa: ao mundo já tu pertences, escreve
agora só
para ti.”
Depois, Lhasa morreu-me; a 1 de Janeiro de
2010.
Filipe
Lascasas
P.S.: Assim fiz. Mas hoje foi só
para ti, ao som de “Con
toda Palabra”.
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